quarta-feira, 24 de março de 2021


24 DE MARÇO DE 2021
MÁRIO CORSO

Desencanto com a humanidade

Os dias não andam fáceis. A pandemia corroeu os nervos de todos. Já nos acompanha faz um ano e não nos dá trégua. Estamos exaustos das restrições. Quem não está desempregado, trabalha mais do que antes e ganha menos. Ninguém melhorou de vida ou está mais feliz do que antes. Cada dia ganhamos uma cicatriz de luto. Sentimos falta da família, dos amigos, de circular. Somos seres sociais, murchamos com o isolamento.

Não faltam elementos para o caldo de tristeza, desânimo e depressão que paira. Mas quero frisar um sentimento particular: a pandemia criou em muitos um desencanto com a humanidade. Eles experimentam uma sensação de que não éramos tão inteligentes e desenvolvidos como pensávamos. Claro, ninguém é ingênuo para acreditar que vivíamos no melhor dos mundos. Mas certos progressos, especialmente vindos da revolução digital que está em curso, passavam a ideia de um desenvolvimento ilimitado, ou de que o mundo avançava.

De inopino um vírus nos destrona. Põe o mundo de joelhos e nos submete a uma experiência de impotência. A ciência, que prolongou a expectativa da vida humana, encontrando curas para várias doenças antes imbatíveis, encontra-se atarantada, salvando vidas como pode, mas sem um remédio eficaz contra a covid-19. A vacina em tempo recorde é um bom contraponto.

No plano cognitivo a resposta coletiva é desesperadora. Vemos parte da humanidade não conseguindo lidar com a realidade. Negam infantilmente o problema, para ver se ele diminui ou desaparece. Tentam desesperadamente maquiar o estrago para não precisar mudar seu comportamento equivocado e nem admitir que estavam errados. São tantas as contaminações que poderiam ser evitadas com precauções simples, que impacta o fato de pessoas supostamente adultas e responsáveis não as terem tomado. Parece que a sabedoria pediu férias do planeta.

Um dos aprendizados da crise será descobrir nosso verdadeiro tamanho: qual é mesmo nossa inteligência, e qual percentual da humanidade é capaz de empatia? Por enquanto tiramos notas menores do que imaginávamos.

As crises nos revelam. A condição humana abre-se em leque, do sublime ao grotesco, a cada momento da história. Para esquecer do lado inadmissível, nossa face egoísta e destrutiva, editamos constantemente nossa imagem. Na vida, como nas redes sociais, usamos roupas de domingo e palavras bonitas, para nos acreditarmos um degrau acima da nossa natureza.

Sairemos dessa, já sobrevivemos a tantas, esse é o desafio que tocou à nossa geração. Porém, aproveite para olhar para a humanidade com atenção: isso é o que somos quando as máscaras caem. São momentos em que o capô está aberto, dá para ver melhor o motor anímico que nos move. Talvez o único saldo positivo seja parar de se iludir sobre o estágio atual da nossa humanidade.

MÁRIO CORSO

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