17 DE MARÇO DE 2021
MAURÍCIO SARAIVA
E depois da pandemia?
Logo que a pandemia obrigou os humanos a uma drástica mudança de comportamento social, a pergunta do título começou a ser feita em todas as línguas. Natural que todos os atingidos por algo tão devastador como esse vírus de alta letalidade começassem a questionar que consequência teria para a humanidade passar por reclusão, isolamento e distanciamento antes de que chegasse o novo normal. Não há resposta certa para a pergunta que pauta esta coluna. Cada um tem a sua, me autorizo a responder com o que me vai na alma justamente no dia em que ocupo este espaço sagrado de Zero Hora.
Não creio que o ser humano vá guardar ensinamentos edificantes do que viveu e ainda vive quanto à pandemia. Pode haver um ou outro comportamento modificado a partir das dores e angústias que se abateram sobre todos os bípedes da face da Terra, mas não em quantidade e conteúdo suficientes para uma evolução na vivência em grupo entre as pessoas. Quem sobreviveu à doença sentirá gratidão por estar vivo e relatará emocionado os piores momentos por que passou. Tanto pode restar mais generoso com os outros como também pensar que tem direito a prioridades e benesses depois de ter sobrevivido ao coronavírus.
Quem perdeu ou quase perdeu pessoas queridas verá brotar em si enorme alívio quando a pandemia acabar ou mesmo antes, quando lhe chegar a vacina. Talvez passe a ter na lembrança uma noção de valor mais ajustada quanto às pequenas e às enormes coisas da vida. O quanto vale se incomodar por tão pouco se esteve perto de perder gente querida. O que me leva, no entanto, a não ser otimista em relação aos efeitos da pandemia para uma desejada mudança positiva de rumos no viver em sociedade é que a parcela de pessoas que não terá se infectado nem vivido o drama no seu entorno não verá motivos para revisar conceitos.
Em especial, a juventude, sempre tão ávida de vida e crente de que causa e consequência são palavras avulsas e não conectadas. Aqui, não se trata de qualquer viés político, e sim da condição humana de esquecer ou lembrar de coisas graves na trajetória para suportar o que haja de pior em sua existência. Como em outros tantos momentos da vida em grupo na história humana, sobraram manchetes de gente sendo generosa e de voluntários dedicando tempo e habilidades para o que se convenciona chamar de bem comum.
Também pipocaram pelo mundo notícias de turmas inteiras de pessoas que simplesmente desacreditaram da doença e transformaram esse desdém em atitudes suicidas e homicidas. As tais manchetes do Bem e do Mal, por maniqueísta que seja uma separação tão simplista, me convencem a cada dia de que a humanidade, depois da pandemia, seguirá caminhando com passos de formiga e sem vontade, como profetizou Lulu Santos.
Se tem jeito para ser diferente no futuro? Tem, sim. Seria necessário um improvável senso comum de que o poder, mais do que nunca, precisa ser compartilhado entre sociedade civil e governo por ela eleito. Seria fundamental que a pandemia provocasse em cada pessoa a consciência irreversível de que só a soma das mudanças de comportamento individual poderia levar a um outro contexto no qual não faltassem solidariedade, resiliência e bem-estar. Nesse cenário, incluem-se todos os quesitos da vida moderna.
O sucesso profissional, a felicidade pessoal, o equilíbrio das relações, a diversidade de opiniões e o pacífico conviver entre os diferentes. Sem novos pensamentos e atitudes individuais, não há por que cogitar com otimismo que a pandemia deixe ensinamentos capazes de uma transformação bem-vinda na sociedade. Esta obra aberta chamada Evolução, embora nasça do indivíduo, só se completa se o esforço for coletivo.
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