sábado, 27 de março de 2021


27 DE MARÇO DE 2021
MARCELO RECH

Daqui a um ano

Iludido pela bolha de aplauso permanente, o presidente Jair Bolsonaro cometeu um dos maiores erros políticos da história recente brasileira. Ao negligenciar a angústia nacional por imunização contra a covid-19, Bolsonaro derrapou em uma distorção primária: tomou fanatizados que viam complôs nas vacinas como se fossem a opinião pública, e passou a espezinhar quem defendia a vacinação mais rápida possível do maior número de brasileiros.

Alguém que tivesse tropeçado em tal erro de estratégia em meio a uma guerra que custa milhares de vidas diárias deveria estar fadado ao limbo político. Mas é precipitado subestimar Bolsonaro e sua máquina de construção de narrativas que se propagam por redes sociais e grupos de mensagem. Quando as pesquisas alertaram para o fato de que a aflição central dos brasileiros não era uma suposta obrigatoriedade de vacinação, mas a escassez de vacinas, o presidente recalibrou seu discurso. Desde então, procura se passar por um campeão das vacinas e se ufana de o Brasil ser o quinto que mais imuniza no mundo (embora lute para ficar entre os 60 primeiros em doses por habitante).

Uma pesquisa da Ipsos e do Fórum Econômico Mundial em fevereiro passado auscultou a disposição de 15 países em se vacinar, e triturou a resistência de Bolsonaro. Apenas o Reino Unido (com 89% dispostos a se vacinar) está à frente do Brasil (88%) O desprezo inicial de Bolsonaro às vacinas teria tido algum eco na Rússia (42% de disposição) ou na França (57%), mas não em um país em que é raro não se conhecer alguém que tenha morrido de covid-19.

Não importa se assentadas sobre uma realidade alternativa, as tais narrativas é que constroem hoje o chamado imaginário popular. Lula, por exemplo, passou a apregoar que foi inocentado e pula todos os trechos que possam rememorar sua relação promíscua com empreiteiras. Bolsonaro vai na mesma linha. Sem ruborizar, suas redes repetem agora que ele se esmerava em conseguir vacinas desde março de 2020.

Mais do que o presente, Bolsonaro mira o eleitorado daqui a um ano, quando esquentar o debate eleitoral. Até lá, o país deverá estar plenamente imunizado, mas o sofrimento dos mais pobres com a crise econômica seguirá latente. No Brasil, a memória é curta. No segundo trimestre de 2022, Bolsonaro espera que as mortes e as negligências sejam passado e que a elas se sobreponha a narrativa de que sempre esteve ao lado das vacinas e de quem mais precisava de renda.

É um cálculo político arriscado, mas que só precisa convencer um terço do eleitorado para colocá-lo no segundo turno contra, provavelmente, Lula, seu adversário ideal. A estratégia naufraga na hipótese de uma terceira via, e é por isso que qualquer cabeça moderada que se levante levará sempre cipoadas imediatas das redes de Bolsonaro.

MARCELO RECH

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