31 DE OUTUBRO DE 2020
FABRO STEIBEL
O PIOR BANCO DO MUNDO
O Oscar de pior ideia do ano vai para o Ministério da Saúde e seu plano de criar o "banco genômico" do Brasil. Segundo o governo, o objetivo é criar uma base de 100 mil genomas de brasileiros para uso da indústria farmacêutica e na saúde pública.
Há usos positivos do genoma humano, tanto que a próxima revolução da medicina deve passar por aí. Mas quem não se lembra da ovelha Dolly, o primeiro clone funcional gerado em 1996? Entendemos naquele momento os riscos do estudo genômicos para a humanidade e compreendemos que, quando se trata de DNA, temos que agir com cautela, muita cautela.
A verdade é que, décadas depois, ainda sabemos muito pouco sobre o nosso genoma. Mapeamos menos de 0,1% da população mundial e já descobrimos que há pessoas com mais de dois cromossomos, que há gente com múltiplos DNAs dentro de si e que nossas teorias evolucionistas são mais simples do que a realidade.
Há formas positivas de criarmos bancos de DNA, mas elas são complexas, e temos poucos exemplos para seguir. Israel criou seu banco genético sequenciando quase toda a população e criando uma legislação específica para isso. O Reino Unido criou seu banco genético com a colaboração da União Europeia e ensaia com muito cuidado como permitir usar esses dados para a ciência. Afora isso, empresas privadas criaram grandes bancos genéticos e já foram identificados ali casos de vazamento de dados e abuso do material genético.
Por aqui temos um banco genético com 17 mil genomas, provindo principalmente de condenados por crimes perigosos. Diferentemente do que acontece nos outros países, nosso banco é periférico. Investimos abaixo do ideal nele, e há problemas potenciais em segurança da informação, proteção de dados, transparência e controle externo. O mais provável é já termos sido vítimas de ataque hacker e nem sabermos, e esse é o histórico que temos para criar um banco genético ainda maior.
Recentemente, gravações de terapias realizadas por videochamada foram vazadas na rede. O caso ocorreu na Finlândia, um dos países com altíssimo nível de segurança e proteção de dados. Os pacientes estão recebendo chantagem por telefone e pagam para não terem segredos íntimos revelados para terceiros. Imagine o impacto, agora, de um vazamento de 100 mil códigos genéticos, quando sabe-se que até um em cada quatro pessoas não têm os pais biológicos que acredita ter? Imagine o impacto disso para direitos de família, herança e até para o reconhecimento de cidadania.
Ter um banco genético é uma política complexa e delicada. Somos - infelizmente - fracos no ranking de proteção de dados e temos histórico de criar elefantes brancos e esquecê-los por aí. O que fazer então? Investir nos cientistas brasileiros, nos centros e pesquisadores - incluindo mulheres - que ganham prêmios internacionais em genética por aí. O destino dos mais de R$ 0,5 bilhão reservados ao banco genético será bem-vindo nesse banco de humanos. E devolvido em dobro.
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