domingo, 1 de novembro de 2020


31 DE OUTUBRO DE 2020
DRAUZIO VARELLA

ORA (DIREIS) OUVIR ESTRELAS!

É difícil contar o número de estrelas no firmamento. Primeiro, porque são muitas; depois, como estar certos de que encontramos todas?

Esse problema é discutido no livro Space at the Speed of of Light, escrito por Rebecca Smerthurst, astrofísica da Universidade de Oxford. Para o cálculo do número de estrelas existentes nas galáxias que compõem o universo, a autora se concentrou nos dados das fotografias obtidas pelo Hubble Space Telescope, em órbita ao redor da Terra desde 1990, com a função de colher imagens de estruturas desconhecidas ou pouco observadas, para além da Via Láctea.

Os astrônomos têm usado essas informações para perscrutar o espaço mais escuro do Universo conhecido: a constelação Fornax, localizada no Hemisfério Sul. A partir do número de galáxias presentes nessa constelação, eles estimam que no universo haveria no mínimo 100 trilhões de galáxias. Como cada uma contém em média 100 bilhões de estrelas, o número total de estrelas seria da ordem de 100 sextilhões, ou seja, 100.000.000.000.000.000.000.000.

Imagine, leitora, que haja condições favoráveis ao surgimento da vida apenas em um, de cada quintilhão desses corpos celestes. Existiriam, então, algumas centenas de milhares de planetas na vastidão do espaço, em que a competição das espécies pelos recursos e a seleção natural poderiam levar ao aparecimento de seres inteligentes. A existência deles responderia à eterna questão filosófica: estamos sozinhos no universo?

Nossos ancestrais mais distantes, as primeiras bactérias, surgiram assim que a Terra esfriou o suficiente, há 3,8 bilhões de anos. Portanto, o aparecimento aleatório da vida não parece fenômeno tão difícil de ocorrer. No entanto, das 50 bilhões de espécies que um dia viveram ou ainda habitam nosso planeta, apenas uma levou ao gênero Homo, 2,5 a 3,2 milhões de anos atrás. Nesse gênero, sobreviveu somente o Homo sapiens, espécie capaz de elaborar raciocínios abstratos, dominar a linguagem, a resolução de problemas complexos e a composição de sinfonias.

Na história da vida na Terra, o Homo sapiens ocupa 0,005% do tempo. A evolução não tem propósito algum, não segue qualquer linha na direção de determinado objetivo, não olha o interesse da espécie, mas o do indivíduo mais apto a espalhar seus genes. As bactérias, seres unicelulares sem nenhuma atividade semelhante ao pensamento mais rudimentar, constituem o maior sucesso evolutivo de todos os tempos: 3,8 bilhões de anos, e ainda estão por aqui, sem dar sinal de que serão extintas ou deixarão de ser o que sempre foram: seres unicelulares.

Se a criação da vida pode ser repetida com relativa facilidade em outros planetas, o aparecimento da alta inteligência deve ser fenômeno muito raro, uma vez que apenas uma espécie entre 50 bilhões desenvolveu essa habilidade. Imaginar que em algum das centenas de milhares de planetas habitados por alguma forma de vida surgiriam seres com capacidade cognitiva tão semelhante à nossa que tornasse viável a comunicação implicaria admitir não só que as condições geológicas e climáticas tenham sido idênticas às da Terra, mas que as pressões ecológicas estiveram sincronizadas às nossas durante milhões de anos, de modo a repetir as incontáveis mutações sofridas por nossos ancestrais, na longa jornada da unicelularidade, à vida multicelular que levou aos animais vertebrados, aos mamíferos e ao homem.

Vamos citar apenas um, entre centenas de milhares de eventos ocasionais que conduziram ao Homo sapiens, por mecanismo de seleção natural. Se, 65 milhões de anos atrás, não caísse um meteoro no México, os mamíferos estariam limitados até hoje a grupos de pequenos roedores noturnos, apavorados pela presença de dinossauros na vizinhança. Qual a probabilidade de ocorrerem eventos decisivos como esse, na mesma sequência temporal, em outro planeta?

Vamos imaginar que, a despeito da alta improbabilidade, identificássemos extraterrestres em tudo semelhantes a nós; digamos, com 99% de identidade genética. Ainda assim, estaríamos sós, não haveria comunicação possível. Esse é o número de genes que compartilhamos com os chimpanzés. Fomos e seremos um experimento aleatório, único, da natureza, mesmo que venhamos a descobrir que o universo conhecido é apenas um dos trilhões de outros espalhados pelo espaço infinito.

DRAUZIO VARELLA

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