segunda-feira, 7 de setembro de 2015


07 de setembro de 2015 | N° 18287 
MOISÉS MENDES

O juiz e a juíza


Racistas, homofóbicos e xenófobos (inclusive os que choraram vendo a foto da criança síria morta no naufrágio) nunca estiveram tão à vontade no Brasil. Aquela escrivã americana presa na semana passada por afrontar a Justiça se sentiria bem aqui, de mãos dadas com os reacionários. Nada lhe aconteceria.

Todos, incluindo os golpistas, circulam com desenvoltura, sempre em nome da liberdade de expressão e da democracia. O grande deboche cometido pelo reacionário folgadão é exatamente este: ele fala em nome de uma democracia que pretende ver pisoteada. Fala e nada acontece.

Mas nos Estados Unidos o bicho pega. A escrivã Kim Davis, do Kentucky, decidiu que não casaria gays. Contrariou uma determinação da Suprema Corte, e a Justiça foi acionada.

O juiz federal John Heyburn mandou que a mulher fosse presa. Uma multa, disse ele, não adiantaria nada. No Brasil, o que mais se aplica é multa ou fiança. Se fosse aqui, com dinheiro no bolso, ela estaria solta.

Às vezes, nos falta um juiz como esse Heyburn. Ele é o mesmo que no ano passado enfrentou autoridades ultraconservadoras. Procuradores decidiram, “em defesa do Estado”, que não haveria casamento gay no Kentucky. Porque a Constituição era contra e a região precisava de casais héteros, ou a reprodução de kentuckyanos estaria ameaçada.

O juiz ordenou que se cumprisse a decisão da Corte. Os cartórios obedeceram, mas não a católica ortodoxa Kim Davis. Ela não casaria gays nem com ordem do Papa. Kim acha que só os casamentos héteros dão certo. Tanto que se casou quatro vezes, sempre sob as bênçãos divinas.

Há um componente na idiotia de Kim nem sempre presente nos reacionários brasileiros: a sinceridade. A escrivã não tem outro interesse que não seja o de defender seu ponto de vista ultraconservador.

Aqui, não. Aqui os reacionários mais estridentes usam o ódio contra gays, negros “e tudo o que não presta” – como já disse um deputado – como grande negócio político. O mercado do ódio é próspero no Brasil. A pilantragem se escora na religião só como desculpa.

Aqui, temos pelo menos a juíza Carine Labres, que não se acovardou diante dos homofóbicos dos CTGs que tentaram impedir casamentos de gays em Livramento. No Estado dos machos galhofeiros, quem se impõe é uma juíza. Mas ainda falta mandar um homofóbico para a cadeia.


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