06 de setembro de 2015 | N° 18286
MOISÉS MENDES
Pensadores do coronelismo
Quando a II Guerra chegou ao fim, o pensador francês André Malraux lançou o apelo para que uma grande ideia suplantasse o trauma do nazismo. Malraux falava com a autoridade de herói da resistência francesa. Ter uma grande ideia significava oferecer a convicção de que todos, inclusive os alemães, poderiam ser recompensados com algo que fosse além do fim do horror.
A Europa teve muitas ideias, entre as quais a da Comunidade, como convergência que evitaria novas guerras, e com ela se debate agora. A Comunidade virou União, avança e recua e não sabe o que fazer nem com os novos migrantes. Mas os europeus saberão lidar com isso, como souberam lidar com o muro, uma das ideias do pós-guerra.
O Brasil é um país que há muito tempo não tem uma boa ideia, nem em política, nem em economia. A nossa última boa ideia pode ter sido o Real, uma ideia tática, que nem original era.
As outras, que vieram atrás, são ideias boas ou más, mas antigas. Se você ligar a TV e se prestar a assistir a um debate sobre as saídas para o país, ficará diante dos mesmos debatedores, com as mesmas frases, as mesmas soluções e a mesma empáfia.
Há donos de ideias no Brasil que já submeteram suas brilhantes pregações a testes de eficácia em postos importantes de governo. Alguns foram ministros da Fazenda, outros, presidentes do Banco Central.
Fracassaram porque enfrentaram realidades incapazes de se subordinarem às suas teorias. Há ex-ministros hoje ortodoxos que experimentaram saídas heterodoxas (como congelamentos, por exemplo), nos anos 90, que estão aí dando palpites liberais, porque regeneraram ideias e discursos.
Há ex-presidentes do Banco Central, gestores atrapalhados da moeda e politicamente inábeis, que ralaram para domar o câmbio, mas dizem estar certos de que hoje saberiam o que fazer para enquadrar o dólar, os juros, o crédito e as desesperanças.
No Brasil, os donos de velhas ideias fracassadas raramente se constrangem com a própria mediocridade e tampouco são desmascarados. Os homens de ideia se repetem, como nos repetimos com os técnicos de futebol, porque poucos se lembram (ou não querem lembrar) de que muitos são impostores. É como se, daqui a alguns anos, Felipão decidisse dar palestras semanais sobre como vencer a Alemanha por 7 a 1.
Figuras medianas, acacianas, redundantes têm certezas sobre causas e soluções para quase tudo. São adoradas por certas lideranças, frequentam altas-rodas, fazem previsões, orientam decisões – e alguns até cortejam golpistas. Devem se divertir com a diversão que provocam.
A política e a economia brasileiras nem precisam de alguém como Malraux. Basta que tenha alguém como Francisco. O que falta ao Brasil, para que estejamos livres dos pregadores de velhas ideias, é alguém como esse papa. É do que precisamos.
A Igreja que elegeu Ratzinger, o gerente que virou papa, o falso erudito do catolicismo, teve a intuição de que só poderia se salvar se o seu sucessor fosse um transgressor com o atrevimento do argentino Jorge Mario Bergoglio.
Mas o Brasil consegue ser mais reacionário do que a Igreja. Tanto que se fortalece como ideia defendida pelos ex-isso e ex-aquilo a restauração, sob aplausos até dos gaúchos, da dobradinha Minas-São Paulo. A grande ideia política do Brasil, com seus previsíveis desdobramentos, pode ser a volta do coronelismo político do início do século 20.
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