06
de fevereiro de 2015 | N° 18065
MARCOS PIANGERS
Vento no Litoral
Final
de semana passado, aquela coisa de Planeta Atlântida, pensei comigo mesmo que
72 carros por minuto não podiam estar errados e toquei com a família toda para
o até então desconhecido litoral gaúcho, visto que mesmo depois de oito anos
morando em Porto Alegre nunca me pareceu valer a pena pegar a estrada para presenciar
com mulher e filhas todo aquele cenário à beira-mar terrível que os amigos
gaúchos sempre descreveram meio brincando, meio falando sério, e que as capas
da Zero Hora sempre confirmaram visualmente desagradáveis, por mais esforçado e
competente que seja o fotógrafo.
O
litoral gaúcho é provavelmente a única coisa gaúcha que os gaúchos reconhecem
não ser a melhor coisa do mundo.
Na
tarde daquele sábado nublado, me senti no segundo planeta visitado pelo Matthew
McConaughey no filme Interstellar: um ambiente tão inóspito, que não consigo
entender como pode ser habitado. O vento era como se Deus pegasse areia com as
mãos e enfiasse um punhado em meu olho aberto.
A
maresia trazia até minhas narinas o aroma de peixe morto e a fumaça do queijo
coalho, saindo do carrinho do ambulante. Muitos carros tocavam música e nos
meus ouvidos demônios imaginários jogavam flechas com versos como “te ensinei
certim” e “eu prefiro estar aqui te perturbando”, esta última uma frase que,
não posso negar, combinava com meu desconforto.
Estávamos
há cerca de cinco minutos na praia quando minha filha mais velha, brincando na
areia, foi atacada por ondas negras violentíssimas, que tentavam levar embora a
menina. A mais nova estava mexendo com uma espuma amarela provavelmente cheia
de coliformes fecais. Minha mulher corria atrás da canga e eu tentava ajudar as
três ao mesmo tempo, com os olhos cheios de areia, a cara cheia de fumaça de
queijo coalho e os ouvidos cheios de hits nacionais. Tenho certeza de que
algumas pessoas na praia fotografaram meu desespero, com celulares a distância,
elas acham que eu não noto, mas eu noto e só não sei se me fotografam porque
sou famoso ou tenho um aspecto de náufrago.
(Falando
nisso, uma vez estava no Rio de Janeiro, subi em uma grande pedra para olhar a
vista, só de calção e barba, e a praia toda lá embaixo, cheia de cariocas
sacanas, começou a gritar: “Wilsoooon! Wilsoooon!”. Mas isso é outra praia.)
Depois
daqueles ataques sistemáticos, resgatamos as pequenas (a mais nova já com
espuma na boca), deixamos a canga como oferenda a Iemanjá e corremos pro hotel,
onde precisamos de três banhos para tirar totalmente aquele litoral gaúcho
impregnado em nossa pele. Temos agora um psiquiatra marcado pra semana que vem
e com muita conversa vamos superar tudo isso.
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