05
de fevereiro de 2015 | N° 18064
LUCIANO
ALABARSE
O DIFERENTE É O INIMIGO
A
legislação francesa não considera criminosas nem a blasfêmia nem a sátira às
religiões, com uma ressalva: o cidadão que se sentir ofendido pode buscar
reparação judicial. Mas a lei francesa enquadra racismo e terrorismo no rol dos
crimes violentos. Como o massacre do Charlie Hebdo foi justificado pelos excessos
de seu humor blasfemo, algumas manifestações, ao mesmo tempo, prestaram
solidariedade aos humoristas assassinados e condenaram o humor politicamente
incorreto da revista. O debate dos limites do humor voltou com tudo.
As
perguntas: é possível absolver o riso que incita e promove a violência? É correto
demarcar as liberdades de expressão? Há fronteiras entre esses territórios?
Para Hobbes, o riso é um ato agressivo – pois denota percepção de cabal
superioridade. Nessa perspectiva, o “Charlie Hebdo” é indefensável. Será?
Como
disse Joel Pinheiro, no artigo “O riso correto da esquerda”, “violência não é monopólio
de quem está por cima.” Uma sociedade que legitima a ridicularização de
minorias está doente. Sim. Mesmo que o papa Francisco justifique como naturais
reações físicas quando nossas amadas mães são ofendidas, nenhuma minoria pode
sair fuzilando o mundo quando se sente ultrajada. O humor entra aí, para
escancarar tais contradições. O humor politicamente correto, porém, postula que
é possível fazer graça sem que ninguém se sinta ofendido. Não é. Quer que todos
os gatos sejam pardos. Não são.
No
estranho e premiadíssimo A Cidade & A Cidade, China Miéville coloca duas
cidades cruzadas, Beszel (Ocidente?) e Ul Qoma (Oriente?), em convivência
permanentemente vigiada. Antagônicas e complementares, as duas organizam-se em
grupos radicais, onde o aparato policial paira acima de todos. Não há conciliação.
O diferente é o inimigo. Do jeito que a coisa vai, chegaremos aí rapidinho. Apontada
como “a ficção do novo século”, a fantasia delirante do livro se encaminha, na
vida real, para ser um pesadelo permanente.
Cu-ru-zes,
como diria o Téo Pereira.
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