quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015


05 de fevereiro de 2015 | N° 18064
L. F. VERISSIMO

Outra carta da Dorinha

Recebo outra carta da ravissante Dora Avante. Dorinha, como se sabe, não revela sua idade para ninguém, mas nega que já viu o cometa Halley passar duas vezes. Só o Pitanguy e Deus sabem a sua verdadeira idade, e um está aposentado e o outro está quase. Dorinha tem se reunido com o seu grupo de carteado e pressão política, as Socialaites Socialistas, que lutam pela implantação no Brasil do socialismo soviético na sua fase terminal, que é a volta ao feudalismo (mas esclarecido desta vez, segundo elas). As reuniões das Socialaites Socialistas também tratam do trabalho social do grupo.

Por exemplo: todas se comprometeram a doar seus botox para transplante, caso venham a morrer. O assunto predominante nas reuniões, claro, tem sido os escândalos das empreiteiras. Três do grupo estão com maridos presos, o que acham ótimo. “Assim pelo menos a gente sabe onde eles estão dormindo”, diz Suzana (“Su”) Cata, para inveja das que têm maridos soltos. Mas a preocupação maior de todas é... Deixemos que a própria Dorinha nos conte. Sua carta veio escrita com tinta púrpura em papel magenta cheirando a “Mange Moi”, um perfume proibido pelo Vaticano, mas que, dizem, o papa Francisco está prestes a liberar.

“Caríssimo! Beijos secos, para poupar saliva. Sim, estamos todas empenhadas na campanha contra o desperdício de água. Senti como o problema é grave quando fiz uma enquete no grupo e se revelou que todas – todas! – estão dando banhos nos seus cachorros com água mineral San Pellegrino. Menos eu, que lavo a ‘Desirée de Goumont’, meu poodle (o nome é maior do que ela), com champanhe rosê.

A Tatiana (‘Tati’) Bitati, vice-líder do grupo, abaixo de mim, acha que devemos começar a pensar num plano D, de dar o fora, se a crise hídrica piorar muito. Ela propõe o exílio e já se informou sobre um condomínio em Miami que só recebe brasileiros fugitivos da crise e tem o nome sugestivo de ‘Bye-bye Brazil’. Nos mudaríamos para lá até que os reservatórios enchessem de novo ou o país virasse um imenso Piauí e não houvesse mais razão para voltar. Mas assez de misère! Como o próximo Carnaval periga ser o último antes do Juízo Final, decidi voltar a desfilar.

Sim, estarei de novo na avenida! Só preciso encontrar meu agogô e meu tapa-sexo. O tapa-sexo foi visto pela última vez na boca da ‘Desirée de Goumont’, que brincava com ele distraída, sem se dar conta do simbolismo da cena. Meu único sentimento é que o Pitanguy não poderá estar ao meu lado, para ouvir o povo aplaudir meu corpo e pedir ‘O autor! O autor!’.


Da tua Dorinha”.

Nenhum comentário: