04
de fevereiro de 2015 | N° 18063
MOISÉS
MENDES
A vingança das
águas
O
leito seco de um rio parece algo improvável, até que um dia o flagelo está a
sua frente. Há exatos 10 anos, entrei no leito vazio do Vacacaí Mirim, em
Restinga Seca.
Andei
pelo chão poeirento, pisando em vísceras de pedras e galhos de um cenário
nordestino. Era estranho imaginar que meses antes corria água por ali e que em
algum momento, com o fim da estiagem, a água voltaria a correr.
Caminhei
com a professora Lacy Cabral de Oliveira e um neto dela, o Rafael. Os dois me
acompanharam numa reportagem sobre a grande seca de 2005. Restinga significa
ponta de terra cercada por água. Naquele ano, Restinga Seca via sentido no
próprio nome.
Andamos
um pouco e encontramos uma represa de sacos de areia, de uma margem à outra do
rio estreito. Uma espécie de muro que teria sido erguido por um arrozeiro para
reter a água perto da bomba de sucção.
Na
terra de Iberê Camargo, o rio denunciava a ganância do homem que sugou a água
que os outros, mais adiante, ficavam esperando. Os rios Vacacaí Mirim e Vacacaí
Grande estavam secos e só o Jacuí continuava socorrendo Restinga.
Me
lembrei dessa cena numa conversa no bar da Zero, anteontem, com o Carlos
Etchichury, o Renato Dornelles e o Nilson Vargas. Nos perguntamos sobre o que
pode acontecer em São Paulo quando o desespero acionar uma guerra pela água.
Em
Restinga Seca, onde todo mundo se conhece, alguém foi capaz de erguer uma
represa para furtar água. Em São Paulo, a prefeitura calcula que residências e
empresas furtaram, em ligações clandestinas, 2,6 bilhões de litros de água
potável em 2014, o suficiente para abastecer 260 mil pessoas durante um mês.
Um
advogado paulistano conseguiu na Justiça que a prefeitura lhe garanta água sem
cortes em casa. O que mais, além do furto e do egoísmo judicializado, irá
aflorar na guerra da seca?
O
que será de São Paulo se o que sobrar para mais de 20 milhões de pessoas for a
água podre da represa Billings, com bactérias que matam, índice de coliformes
fecais cem vezes acima do considerado aceitável e a imundície de metais pesados
cancerígenos que despejam ali?
A
vingança das águas é cruel e comovente. Que vingança o Rio dos Sinos, o
Gravataí e o Caí, três dos 10 rios mais poluídos do Brasil, estarão preparando?
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