04
de janeiro de 2014 | N° 17663
NÍLSON
SOUZA
A vendedora de
jornais
Sua
estratégia de vendas é um sonoro “Bom dia!”. Ela caminha na calçada, ao lado
dos carros que esperam o sinal verde e, como se estivesse desfilando numa
passarela, presenteia cada motorista com um sorriso desfalcado, mas autêntico:
–
Bom dia! – canta com igual alegria, para condutores sonolentos e vidros fechados.
Nem
oferece o produto que carrega nas mãos e na bolsa a tiracolo. Economia de
palavras e de gestos que me faz lembrar uma célebre e sábia lição de síntese.
Aquela do feirante que colocou um cartaz na frente de sua banca: “Vende-se
peixe fresco aqui”. Passou um especialista e criticou o excesso de obviedades.
Se o feirante estava vendendo peixe, só podia ser naquele lugar. Lime-se o
“aqui”.
Como
não podia vender peixe estragado, só podia ser fresco. Na feira, ninguém doa
mercadorias: fora com o “vende-se”. Em alguns desfechos, sobra o “peixe”. Em
outros, nem o substantivo fica, pois a única mercadoria exposta era visível
demais para que precisasse ser denominada. Todos que contam e recontam essa
história dizem que, sem o cartaz, o feirante vendeu tudo.
Mas
a jornaleira que amanhece numa das esquinas mais movimentadas da minha cidade
não parece ter a mesma sorte. A maioria sequer se digna a olhá-la, poucos
retribuem o afável cumprimento, e raríssimos estendem a mão com cédulas ou
moedas em troca da sua oferta diária. É o que percebo no breve instante em que
a observo, pois, quando o sinal abre, também sigo adiante, cheio de dúvidas:
Será que ela vende todos os jornais? Será que sabe que sua atividade está
ameaçada de extinção? Será que está mesmo?
Recolhi
outro dia de um assinante de ZH um interessante raciocínio sobre essa questão.
Ele está muito mais convicto do que os próprios jornalistas a respeito da
sobrevivência dos jornais de papel. Seu argumento: os portais de internet vivem
de cliques, por isso colocam em destaque celebridades, catástrofes e
bizarrices, na compreensível tentativa de atrair a atenção dos internautas.
Muitas notícias relevantes ficam escondidas.
Como
o leitor de internet não tem o hábito de sair procurando, acaba deixando de ler
coisas importantes. Já o jornal de papel inclui tudo no mesmo pacote, as
chamadas de capa (que também buscam atrair a atenção dos leitores) e as demais
nas páginas internas. Então, o leitor que compra a capa também recebe um
complemento de boa qualidade. Até para não desperdiçar o que comprou, acaba
dando uma volta pela edição e, quase sempre, sai lucrando em informação.
Gostei
da argumentação.
Bem
que a vendedora de jornais podia acrescentar uma frase ao seu “bom dia”.
–
Aqui tem o que você não encontra na internet...
Pensando
bem, é melhor seguir a lição do homem dos peixes. E confiar na inteligência dos
leitores.
Nenhum comentário:
Postar um comentário