sábado, 4 de janeiro de 2014


04 de janeiro de 2014 | N° 17663
CAROL BENSIMON (Interina)

Filosofia retrô

Saí do cinema impressionada com Álbum de Família. Uma grande peça filmada com Meryl Streep no papel da mãe maluca. Há outros pirados em cena, mas ninguém tão desestabilizante e complexo quanto ela. Fique atento ao momento, aparentemente banal, em que ela conta às filhas uma história de infância envolvendo um par de botas de caubói.

Verdade, tinha gente rindo na sala de cinema em horas inadequadas, e isso quebrou o encanto da tela algumas vezes, mas tudo bem. Alguns vão passar pela vida sem entender muita coisa. Aceite, se acostume, e vá em frente.

Naquela noite, cheguei em casa com vontade de ler teatro. Abri um livro de peças do Tennessee Williams e comecei com The Glass Menagerie. O filho Tom tem um emprego em uma loja de sapatos, uma mãe dominadora e uma irmã que vive no mundo da lua, gastando boa parte de seus dias a cuidar de uma coleção de animaizinhos de cristal. Tom, para escapar da realidade opressora, vai ao cinema quase todos os dias. A certa altura, diz pra mãe que está buscando na ficção a aventura que não encontra na vida.

Já conhecemos essa história. Dom Quixote partiu porque adorava os rocambolescos romances de cavalaria. Madame Bovary estava infeliz no papel de esposa burguesa porque lia demais. Todos queriam aventura. Todos seguem querendo aventura. Um professor meu costumava dizer “façam uma transgressão por dia”, o que talvez fosse só uma outra maneira de abordar a necessidade de aventura em nossas vidas.

Então, esse é meu primeiro desejo para 2014: aventura. Ainda que hoje parte dela esteja domesticada, prevista, roteirizada, podendo inclusive ser parcelada em seis vezes no cartão. Tente fugir das aventuras prontas e do compartilhamento instantâneo de aventuras. Dê preferência para a aventura sob medida. Menos Facebook, mais intimidade.

Meu outro desejo é que a gente possa levar essa longa narrativa de nossas vidas balizados por uma ética pessoal, uma coerência interna. De nada adianta vestir branco na virada e se comportar de forma agressiva no trânsito todos os dias do ano. A sociedade brasileira é imoral? Não se junte a ela. Subverta a lógica, comece uma pequena revolução interna, espalhe gentileza em todo o seu raio de alcance.

Eu sei, isso está lembrando um Sartre mastigado. Meu binômio “aventura” e “ética pessoal” bem poderia se chamar “liberdade” e “responsabilidade”. Você me pegou, eu sou existencialista. Disse isso para uma amiga ontem, que reagiu com uma bufada meio francesa, meio pouco-caso, e retrucou: “O existencialismo tá fora de moda”.

Hoje, muitas bandas apostam na sonoridade de décadas atrás, os móveis voltaram a ter pezinhos, e nós aplicamos filtros envelhecidos nas fotos.


Filosofia retrô, eu espero, é o próximo passo.

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