quinta-feira, 2 de janeiro de 2014


02 de janeiro de 2014 | N° 17661
PAULO SANT’ANA | MOISÉS MENDES (Interino)

Por que plantamos árvores

Uma história de ano novo, para a reentrada na atmosfera depois das festas. Começo com Chico Mendes. Poucos sabiam quem era Chico Mendes quando ele foi assassinado em 1988. O caboclo ambientalista de Xapuri que aparecia no The New York Times sempre foi ignorado pelos políticos, pelos governos e pela imprensa no Brasil.

Era visionário demais para quem vive nas bolhas das cidades. Enquanto Chico já protegia a Amazônia, nos anos 70, eu matava passarinho com bodoque no Caverá, em Alegrete. Hoje, nossos gestos pela natureza são também um desagravo por Chico.

Penso nele, em Luís Roessler, padre Balduíno Rambo, Lutzenberger e me pergunto sobre o que faço de consequente inspirado na bravura desses caras. Não faço quase nada.

Minha amiga Rosane Tremea já comprou luvas de gari e vai se engajar a mutirões para limpar praias do Guaíba. Eu decidi que serei um mero espalhador de mudas de pitangueiras. Em junho, plantei uma pitangueira especial com meu neto Joaquim numa pracinha da zona sul de Porto Alegre, entre a Juca Batista e a Estrada da Serraria.

Joaquim, com dois anos e meio, despejava água de uma garrafa na mudinha e narrava para os pais, Bernardo e Lisiane, e para a avó Virgínia:

– É mucho água, é mucho água.

Foi a primeira vez que o vi soletrando uma frase com tanta convicção – e “muita” virou um castelhano mucho, que não sei de onde ele tirou.

A pitangueira gostou da água e do lugar. Agora, na estiagem, eu e Virgínia fomos socorrê-la. Estava abatida. Na segunda regada, na terça-feira pela manhã, último dia do ano, matamos a sede da pitangueira do Joaquim e eu falei alto para as mudas vizinhas:

– Eu prometo: amanhã, se não chover, vamos trazer água para vocês.

Quando nos preparamos para ir embora, um carro estacionou atrás. Uma senhora carregava uma garrafa de água até a muda ao lado da pitangueira.

Nos apresentamos. A pediatra Neila Daiello ia regar uma acácia que plantou há dois anos. A pracinha tem o nome de seu pai, o desembargador Maurílio Alves Daiello.

Quando retornamos ao carro para ir embora, olhei pelo retrovisor e tive a sensação de que uma fila de automóveis se formara no mormaço daquele lugar deserto, com gente descendo em direção a outras mudas com garrafas de água. Como estou cada vez mais emotivo (ou, se quiserem, piegas mesmo), olhei então a pitangueira e a acácia, a uns três metros uma da outra, e pensei que as duas já eram amigas. Saímos dali e caiu um aguaceiro purificador.

Minha missão como pitangueirista continuará em fevereiro. Plantaremos com o outro neto, Murilo, e os pais dele, Artur e Karine, uma muda em Balneário Camboriú. Vamos fazendo a nossa parte nesse latifúndio.


Neila Daiello plantou a acácia porque deseja o bem do mundo e assim fica também mais perto da memória do pai. Nós plantamos pitangueiras para que Joaquim e Murilo façam um dia o que deixamos de fazer. Ou isso é só um pretexto bom para que também a gente se fortaleça desde agora na memória deles.

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