domingo, 30 de outubro de 2011



29 de outubro de 2011 | N° 16870
ARTIGOS - Rubem Penz*


Para ser infeliz basta pouco

Engana-se quem pensa que é preciso muito para ser infeliz. Ao contrário, a infelicidade está ao alcance de todos, sem medir classe social, idade, sexo, credo ou nacionalidade. Também independe de prática ou habilidade, não exige formação técnica nem superior, pré-requisitos ou apadrinhamento. Por fim, constitui direito de todos sair em busca da desventura.

Para começo de conversa, é consenso que a infelicidade está nos pequenos gestos: a falta de um sorriso aqui, o virar de costas ali, o silêncio acolá. Não procure a infelicidade longe, pois ela pode estar bem ao seu lado. Basta reparar na carranca que lhe brindam a todo instante, seja por algo que você deveria ter feito (e não fez) ou por aquilo que realizou sem perfeição.

Os motivos para ser infeliz podem chegar ao acaso – por exemplo, quando o garçom confunde seu pedido. Ainda planejadamente, como no caso do diretor que tudo faz para abiscoitar os méritos nascidos de seu trabalho.

O trânsito da cidade grande também pode vir a ser um manancial inesgotável de infelicidade – é preciso estar atento. Duvido que, ao menos uma vez durante o dia, alguém deixe de cruzar na sua frente sem dar sinal. Então, utilize essa oportunidade para ficar de mal com a vida! Faça mais: persiga-o e dê o troco.

Caso tenha acontecido por mera distração, você aproveitará para fazer com que os dois sigam infelizes, num processo contínuo e crescente de frustração coletiva. O errado é esperar pelas colisões para morrer de raiva: para o bem de todos – ugh! –, elas não acontecem com tanta frequência assim.

Família e infelicidade podem ser parceiros. Comece culpando seus pais por tudo o que tenha dado de errado em sua vida. Mas não fique por aí: diga isso para eles tão logo surja a primeira oportunidade. Além de lhes causar grande tristeza, você será brindado com doses elevadas de desgosto para gerir – muitas vezes tão escondidas, que nem cinco anos de análise serão capazes de desvendar.

É quando vem o melhor: ao descobrir que os pais fizeram das tripas coração para deixar você contente, e que sua ingratidão lhes consumiu os últimos dias de saúde, a infelicidade será sua companhia diária para o resto da existência!

No casamento, ser infeliz é mais fácil do que parece. A união de dois estranhos, somente propiciada pela cegueira da paixão, promete muitos anos de abatimento. Para tanto, use a intimidade que só a aliança carnal permite com o objetivo de conhecer os pontos frágeis do outro, guardando tudo em um paiol de mágoas.

Desde a primeira crise, atire sua munição sem dó nem piedade, provocando o movimento igual em sentido contrário. Assim, ambos terão para si muitos ressentimentos na memória, reciprocidade ideal para fazer crescer a conta bancária dos advogados. E o mau humor será a viva herança deixada para os filhos.

Mas não se engane: se o que foi dito até agora induz a pensar que precisamos dos outros para alcançar o fundo do poço, saiba que não. Não, mesmo! A maior infelicidade está contida na solidão. Explico. Ao fazer de tudo para afastar quem lhe deseja o bem – pais, filhos, cônjuge, amigos, colegas – e tendo o isolamento como consequência, a infelicidade estará mais do que garantida: será só e plenamente sua, sem que precise dividir com mais ninguém! Não é o máximo?

Agora, se, com isso tudo, você ainda teima em ficar contente com a vida, aí fica difícil de eu ajudar. Daqui a pouco, irá até imaginar que se pode ser feliz com mínima dose de paciência, dignidade, carinho e respeito, e que tudo mais chega ao natural. Olha que horror: já posso ver um leve sorriso nascendo em seu rosto...

*Escritor e músico

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