terça-feira, 18 de outubro de 2011



18 de outubro de 2011 | N° 16859
DAVID COIMBRA


José e seus irmãos

Por volta da primeira metade do século 19, Goethe cunhou uma frase acerca da história bíblica de José, o filho de Jacó:

“Essa é uma narrativa natural das mais encantadoras, e seu único defeito é ser demasiado breve, de sorte que nos sentimos inclinados a escrevê-la pormenorizadamente”.

Por volta da primeira metade do século seguinte, Thomas Mann tomou a si a tarefa proposta por seu ilustríssimo conterrâneo. Estudou a Bíblia com profundidade arqueológica, muniu-se de recursos financeiros, arrumou as malas e viajou para o Oriente Médio. Lá, varou fontes originais a respeito da época de José, uma época que se perde a bem mais de um milheiro de anos antes de Cristo.

Investigou documentos guardados em museus e vetustos arquivos do Egito e da Palestina, entrevistou-se com sábios e pesquisadores, e voltou para a Alemanha preparado para empreender o trabalho gigantesco. Nos anos 30, lançou quatro romances alentados baseados na história de José. Aproveite agora a Feira do Livro para adquirir um dos volumes, de preferência todos. Você constatará que não foi à toa que Thomas Mann ganhou o Prêmio Nobel de Literatura.

A história de José é conhecida de sobejo. Mas repito-a para quem esqueceu. Ele era o mais jovem dos 12 filhos que Jacó teve com suas quatro mulheres (duas esposas e duas concubinas, todas convivendo em razoável harmonia, viva Jacó). Segundo a Bíblia e o historiador Flávio Josefo, José era belo, inteligente e cheio de dotes. O pai o adorava.

Os irmãos, não. Os irmãos o detestavam. Tanto que, quando José completou 17 anos de idade, planejaram matá-lo. Foram demovidos da ideia pelo irmão mais velho, um certo Rubens. Não levaram adiante o assassínio, mas não desistiram de livrar-se do caçula. Assim, meteram José no fundo de um poço vazio, e só o içaram dali para vendê-lo como escravo.

Quem conta originalmente essa história dá a inveja como motivo dos problemas de relacionamento de José com seus 11 irmãos. José era o bonzinho e os outros não passavam de despeitados que não suportavam conviver com alguém tão abençoado pelo Senhor, tão cheio de graça, tão amado pelo pai e patati.

Eu aqui, mais de 33 séculos depois, não acredito nessa versão. Até poderia haver um pouco de inveja nessa fervura de sentimentos e ressentimentos, mas era só um dos ingredientes. Na verdade, é quase certo que José devia ser um baita chato. Há passagens bíblicas insinuando que José contava a Jacó tudo o que acontecia com os irmãos.

Ou seja: tratava-se de um alcagueta, um x-9 clássico. É, de resto, impossível que José não tivesse grande parcela de culpa na relação tumultuosa que tinha com os irmãos. Afinal, eram 11 que não gostavam dele. Onze! E, do lado dele, só havia ele.

O fato é que é muito difícil saber o que se passa nos intestinos de uma família, de um casamento, de qualquer grupo assim fechado. Por isso, abstenho-me de julgar quem tem razão no caso de Miralles no Grêmio. Enquanto não souber do que se passa entre o jogador, seus colegas e seus superiores, do que transcorre no recôndito do vestiário, não posso dizer que esse ou aquele lado está certo. Julgamentos equivocados, como se vê no caso de José, podem perpetuar seus efeitos pela posteridade afora.

O melhor de todos os tempos

O melhor time do mundo não tinha atacantes ortodoxos. Refiro-me à Seleção de 70. Jairzinho, Pelé, Rivellino e Tostão não eram atacantes, no sentido clássico, aquilo de ponta e centroavante. Não jogavam de costas para o gol, eram, todos, pontas-de-lança. Pelé era 10, o mundo inteiro sabe. Rivellino, primeiro no Corinthians e depois no Fluminense, era 10, o melhor depois de Pelé. E Tostão, no Cruzeiro, também jogava com a 10.

Jairzinho, no Botafogo, funcionava, igualmente, como um meia que se imiscuía na área para marcar seus (vários) gols. O ponteiro-direito do Botafogo, no tempo de Jairzinho, era Zequinha, que depois veio para o Grêmio e num Gre-Nal de 1975 marcou três gols. Mais tarde, Jairzinho foi para o Cruzeiro, e lá nunca jogou de atacante-atacante.

Jairzinho fechava pelo meio, um meio ilustre, que tinha Zé Carlos e Piazza na primeira linha, e Eduardo e Dirceu Lopes na segunda. Na frente, Palhinha e Joãozinho. Na ponta-direita, Roberto Batata, um atacante que enfiava gol em todos os jogos e que morreu num acidente de carro em 1976. Muita gente boa num time só, alguém de luzes sempre havia de sobrar.

Logo, um time pode jogar sem atacantes e dar certo, como o Inter tem dado. Desde que os meias sejam habilidosos e, sobretudo, que façam gols. Tendo Pelé, Jairzinho, Tostão e Rivellino, perfeito. Tendo Oscar e João Paulo, ajuda.

Muito esforço, pouca recompensa

Sem atacantes, o Inter continua sendo um dos melhores ataques do Campeonato. Com atacantes, quaisquer que sejam, o Grêmio faz um esforço comovente para marcar um único gol.

Escudero, Douglas, Marquinhos, André Lima, Miralles, Clementino, toda essa gente até entra na área e chuta bastante. Mas falta a sintonia fina, falta o toque de talento que diferencia a imitação da obra-prima. Nenhum jogador que hoje milita no Grêmio sabe, realmente, como fazer gol.

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