sábado, 22 de outubro de 2011



23 de outubro de 2011 | N° 16864
PAULO SANT’ANA


Colóquio

Travei recentemente com uma mulher o seguinte diálogo:

ELA – Deve ser interessante ser tua mulher.

EU – Ela não acha.

ELA – Talvez porque não tenha ainda te descoberto.

EU – Ela não acha interessante ser minha mulher exatamente porque me descobriu por inteiro.

ELA – Ela com certeza te descobriu somente na epiderme. Fosse eu e prospectaria tuas profundezas.

EU – Por sinal, sempre me pergunto se nas minhas profundezas não haverá sublimidades mas também torpezas.

ELA – Eu teria o cuidado de ficar com as sublimidades e eliminar as torpezas.

EU – A gente é o que é por inteiro, não dá para separar-se em uma pessoa os seus defeitos e as suas virtudes. Até porque uns são consequências dos outros. Judas, o personagem bíblico é um exemplo. Por um lado, ele amou Jesus; por outro, traiu-o e levou-o à morte.

Eu sempre me interessei pelo amor que Judas teve por Jesus, antes de traí-lo. Porque ninguém se interessa pelo apóstolo Judas, todos só destacam a sua traição. Não há, pois, nas minhas profundezas, como eleger as excelências e expungir as coisas espúrias.

ELA – Mudando de assunto, como vão teus amores?

EU – Depende do que seja amor. Se é amizade, diálogo, aproximação entre amigos, vai tudo bem com meus amores. Se é uma mulher eleita para ser parceira sexual e idílica, ando morrendo à míngua. Faz já muito tempo que não me aparece um grande amor. Talvez seja eu que espante esta circunstância.

ELA – Quer dizer então que atualmente, em matéria de amor, não passas de um faquir, um jejuador?

EU – Exatamente. Vou te dizer uma coisa: tive, sim, um grande amor, tive sim. Mas ele foi tão grande e envolvente para mim, no tempo em que eu vivi em Tapes, que nada mais viria a superá-lo. Acho-me até estéril para encontrar um outro amor. Concordo que uma figurinha repetida não completa um álbum. Nenhum homem ou nenhuma mulher poderão dizer que tiveram dois grandes amores. Se foi grande, foi um só, único!

Então, quando amei pela primeira vez, vacinei-me assim de outros amores. O amor é como a idade, nunca mais se volta aos 17, 18 anos. O amor é uma estrada que não tem retorno por uma vicinal. É aquilo e pronto: aconteceu o amor em um coração, dali por diante nunca mais crescerá grama naquele lugar.

ELA – Pois comigo se dá tudo completamente diferente. Já tive quatro grandes amores. E todo meu sonho é encontrar o quinto. Porque o segundo suplantou o primeiro, o terceiro suplantou o segundo, e o quarto foi fantástico e inigualável.

EU – Fico imaginando que, jovem que és, se preencheste tua curta vida com quatro amores, eles foram muito breves.

ELA – Nem tão breves que me tenham deixado insatisfeita. Mas em intensidade, excetuando a duração, até que foram longos.

EU – Eu te invejo. Porque, ao contrário de mim, estás à procura e à espera de um novo e quinto amor. Enquanto, pobrezinho de mim, só tive unzinho.

ELA – Pois o que te desejo é que abras a tranca do teu coração e te ofereças para um novo amor.

EU – Juro que vou seguir o teu conselho. A propósito, qual é mesmo o número do teu telefone?

Nenhum comentário: