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terça-feira, 11 de outubro de 2011
11 de outubro de 2011 | N° 16852
FABRÍCIO CARPINEJAR
Não reclame do homem roncando
A esposa reclamava do meu ronco. Dizia que desrespeitava a lei de silêncio do prédio. Ainda mais quando estava absolutamente cansado, naquele estado vegetativo de quem não dorme, porém desmaia.
Capotava de barriga para cima, as pernas esparramadas pela cama inteira.
Ao fechar os olhos, abria a matraca. Não respirava, e sim uivava. Meu inconsciente brincava de língua de sogra. Sorte que adormecia fundo, o necessário para não ouvir minha respiração galopante. Ruim é ter sono leve e ser acordado pelo próprio barulho cavernoso.
Reservava toda a audição da sinfonia para Cínthya. Minha mulher odiava a cortesia e recorria a métodos diversos para me calar.
Inicialmente, ela me ajeitava e massageava o rosto com carinhos. Como não desligava a britadeira, a ternura logo desandou em tortura. Optou pelas ações drásticas: sacudia os braços, comprimia o queixo, apertava o nariz. Em seguida, comprou tapador de ouvidos, touca térmica, fita isolante de sequestrador.
Exausta das tentativas inúteis, veio protestar de manhã:
– Não consigo dormir. Para piorar, seu ronco é ida e volta, lança o ar e engole de novo.
Ensaiei resistência, só que me envergonhei do defeito e fui procurar ajuda. Eu me internei durante três dias no campanário do mosteiro de Três Coroas, conversei por Skype com Dalai Lama, parei de fumar, iniciei ioga, retornei à natação.
Depois de dois meses, não regurgitava mais com o nariz, surdina enfim consertada. Livrei-me do escapamento e das ameaças. Já era um travesseiro de penas de ganso, macio e confiável.
Mas Cínthya continuou a me cutucar de madrugada.
– Ei, ei, ei?
– Que foi amor?
– Tô com insônia, sinto falta de seu ronco, fico com medo de que tenha morrido ao meu lado.
Por obrigação matrimonial, voltei a roncar. Não sou cemitério para descansar em paz. E faço defesa do criativo chiado musical, cheio de tambores e trovões.
Um homem roncando é sinal de saúde. Todos em casa sabem que ele está vivo. Um homem roncando traz segurança ao lar. É ter um cão dentro do quarto. Ninguém assaltará sua casa. Não necessitará pagar alarme ou serviço de vigilância.
Um homem roncando serve como crucifixo. Afasta vampiros, bruxaria, mau olhado, demônios e fantasmas.
Um homem roncando revela satisfação sexual. O ronco é o casamento escondido da risada com o gemido.
Por favor, não seja precipitada, não critique mais seu marido, antes que você se torne sonâmbula da saudade.
Homem é como chimarrão: se não roncar, é falta de respeito.
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