segunda-feira, 10 de outubro de 2011



10 de outubro de 2011 | N° 16851
LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL


Africanos, negros

As últimas semanas trouxeram à luz, através de dois episódios bárbaros, o quanto ainda persistem as práticas de ódio racial em nosso país. Foram mortos, de maneira cruel, dois jovens universitários, ambos africanos. Um em Fortaleza, estudante de Direito; outro, acadêmico de Economia, em Cuiabá.

Os dois homicídios têm em comum a circunstância de serem cometidos por um grupo inicialmente anônimo, e sem motivo particular. Dizemos nós: os rapazes eram negros, e esse foi o motivo. Como agravante, eram estrangeiros. Pior ainda: porque universitários, metidos a intelectuais. Os bandos delinquentes agiram como tal, isto é, sob a proteção daquela pluralidade indeterminada que leva à dispersão do intento criminoso e, via de regra, à impunidade.

Some-se a isso a retirada do ar de uma propaganda de TV em que Machado de Assis aparece como branco; exigiram e obtiveram a medida os movimentos humanistas. Tornar alvo nosso grande escritor foi uma ação cabal para mostrar como associamos o sucesso à condição do homem branco.

A negritude, entretanto, ninguém a recusa a Cruz e Souza, o maior simbolista das Américas, isso porque sua condição racial era inegável; mas foram-lhe pespegadas alcunhas aparentemente tão nobilitantes como dispensáveis: “Negro”. “Negro”. É: só foi grande porque, apesar de negro, foi grande. Os textos críticos insistem em procurar uma irreal “estética da brancura” em sua obra, estabelecendo-a como um paraíso a ser alcançado pelo autor.

Num dos mais acurados estudos sobre o racismo, Sartre estabelece a distinção: se o judeu é branco entre brancos, o que lhe confere invisibilidade e, em consequência, proteção contra o olhar do preconceito, o negro não tem como ocultar-se. O paradoxal, entretanto, é como esse gênero de segregação e violência ainda ressoa num país como o nosso.

Os paradoxos, contudo, nunca o são; explicam-nos as situações evidentes que, no caso brasileiro, passam pela histórica má distribuição da renda, concentrando os privilégios da educação e da cultura nos detentores de um poder branco que já cumpre 500 anos e que apenas agora começa a perder suas prerrogativas.

A polícia, no caso dos jovens africanos, dada a grande repercussão dos casos, encontrará os autores das chacinas; a propaganda foi retirada da TV. Resolve? Não, por certo, mas são passos, ainda que acanhados e simbólicos, que levam à autêntica aceitação do outro. Resta ainda um longo caminho. Não deixemos à próxima geração mais esse encargo.

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