quarta-feira, 19 de outubro de 2011



19 de outubro de 2011 | N° 16860
ARTIGOS - Montserrat Martins*


Você faria esse negócio?

Ao renegociar uma dívida de R$ 8 milhões com a CEEE, cobrada pelo Banrisul, esta se transformou em cerca de R$ 150 milhões, em 300 parcelas ao longo de 25 anos. A gestora que fez esse negócio foi afastada: trata-se da prefeita Rita Sanco, de Gravataí, que sofreu processo de impeachment, com o voto de 10 dos 14 vereadores do município.

O deputado Ronaldo Zulke, agora, escreve artigo chamando o fato de “golpe contra a democracia”. Democraticamente, entendo que os cidadãos têm direito de discordar do deputado, que está vendo no episódio uma questão partidária, antes de compreender que se trata de um caso de má gestão do dinheiro público.

Uma questão tem de ser respondida por qualquer pessoa que pensar a respeito: você faria esse negócio se o dinheiro fosse seu, se o seu patrimônio estivesse em jogo? Trocaria uma dívida de R$ 8 milhões por uma de R$ 150 milhões em 25 anos?

E, se fosse administrador público, não teria como encontrar outras formas de renegociar isto com juros menores? Se fosse uma questão partidária, como pressupõe o deputado, caberia então ao partido – que é o mesmo do governo federal – ajudar a viabilizar linhas de crédito menos onerosas aos interesses do município.

Democracia tem de ser, antes de tudo, um conceito “republicano”, quer dizer, de que o interesse público está acima dos interesses partidários, ou privados. A presidenta tem dito isso, de modo coerente, pois podemos acompanhar pelo noticiário como ela está adotando essa postura em seus esforços pela melhoria da infraestrutura de transportes, em vários Estados do país.

A conduta republicana da presidenta não está sendo seguida pelo deputado, do mesmo partido, que interpreta o revés de uma correligionária como um “golpe” da oposição. Uma das mais elevadas capacidades humanas é a autocrítica. Sabemos da grandeza de uma pessoa quando ela é capaz de reconhecer erros e usar a experiência para seu aperfeiçoamento. Assim como os indivíduos, os entes coletivos também se qualificam se tiverem capacidade de avaliar suas práticas e assimilar críticas.

A propósito, no caso, não apenas os prefeitos são eleitos, os vereadores também o são e, mesmo nesse caso extremo, eles estavam cumprindo suas atribuições, dentro do estritamente previsto nas normas legais.

Poderíamos questionar se haveria alternativas menos traumáticas para a administração do município, que os vereadores pudessem propor, mas também teríamos de nos perguntar que tipo de diálogo a prefeita afastada tinha com sua base de apoio, que era de sete dos 14 vereadores e ao longo dos anos se reduziu para quatro daqueles sete iniciais.

Enfim, seja do ponto de vista econômico, social ou político, o lamentável episódio de Gravataí não pode ser interpretado, em nenhuma hipótese, como um “golpe” contra a democracia.

Ao contrário, deputado, é exatamente a aplicação dos princípios democráticos levados ao seu extremo mais radical – o de que todos os eleitos (e não só a prefeita) são representantes da população e são responsáveis pelos negócios feitos pelo município, devendo agir com o mesmo zelo que teriam se estivessem gerindo o seu próprio patrimônio.

Pelo mesmo princípio democrático, ainda, pelo qual o senhor se debruça sobre questões daquele município como se defendesse os interesses da população de lá, exerço o direito de discordar de sua forma de interpretar os fatos, oferecendo o meu ponto de vista, sob a ótica da cidadania.
*Médico, bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, membro da executiva do PV-RS

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