segunda-feira, 10 de outubro de 2011



10 de outubro de 2011 | N° 16851
J. A. PINHEIRO MACHADO


Que raio de língua é essa?

Rubem Braga, que tinha a mágica secreta de escrever com encantamento, contou que dois brasileiros conversavam animadamente num café de Lisboa, quando foram interrompidos pelo garçom, que perguntou, intrigado:

“Que raio de língua é essa que estão aí a falar, que eu percebo tudo?”

É a síntese graciosa de nossas relações: portugueses e brasileiros nos estranhamos, mas nos entendemos; estamos, ao mesmo tempo, tão longe e tão perto. Para nós, quando lá se chega, em meio à crise global anunciada, surpreende o país renovado com hotéis modernos, shoppings centers, as grifes mais famosas, restaurantes esplêndidos, temporadas de teatro e ópera que rivalizam com Viena e Berlim. Por certo a crise chegou lá, mas não é uma aldeia interiorana parada no passado, é uma metrópole em crise.

E ainda tem o tempero irresistível: ao lado da modernização vertiginosa, Portugal continua a cultivar suas raízes, preservando seus tesouros.

Meu velho amigo português, o Almirante Vasco Marques, garante que o português tolo e simplório da anedota não existe. “Os portugueses são espertos”, diz ele. E ilustra sua convicção com uma saborosa história de advogados portugueses, ocorrida no norte do país, região de pequenas propriedades agrícolas.

Conta-se que o ex-primeiro ministro de Portugal, Sá Carneiro, grande advogado naquela região, certa vez recebeu a visita de um camponês que estava em litígio com o vizinho por causa de uma vaca, nascida na divisa das propriedades. Examinou o caso e disse ao camponês:

“Ora pois, o senhor tem razão, a vaca é sua.

O vizinho, o outro camponês, quando soube, ficou muito contrariado e, inconformado, foi procurar o filho de Sá Carneiro, também advogado, que, examinando o caso, deu-lhe razão.

“Mas o seu pai disse que o meu vizinho é que tem razão”, contou o camponês.

Surpreso, Sá Carneiro, filho, telefonou ao pai:

“Oh pai, estou aqui com uma briga de vizinhos, e você disse que um deles tem razão, mas eu acho que o outro vizinho é que tem direito, a vaca é dele!”

O velho Sá Carneiro deu uma risada: “Oh filho, a vaca não é de nenhum dos dois. A vaca é nossa!”

Os portugueses também gostam de piadas de português. Só que nas piadas em que, no Brasil, aparece um português como personagem, lá, para eles, o personagem é sempre um alentejano, aquele matuto natural do Alentejo, que é a região mais pobre de Portugal.

O Almirante Vasco lembra a história irreverente do alentejano que foi a Lisboa para um exame periódico de saúde. Depois do exame, perguntas gerais do médico. Bebida? “Dois ou três copos de vinho nas refeições...” Fuma? “Ah, dois charutos por dia...”

E o sexo? – quis saber o doutor. “Duas ou três vezes por mês”, foi a resposta. O médico achou pouco: ele mesmo, bem mais velho, tinha vida sexual mais intensa. O alentejano ficou meio sem jeito:

– Pois é, doutor... Mas o senhor é médico em Lisboa e eu sou padre numa vila do Alentejo!

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