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sexta-feira, 7 de outubro de 2011
07 de outubro de 2011 | N° 16849
DAVID COIMBRA
No lugar dos outros
As pessoas, hoje, estão expostas. Eis um dos subprodutos mais notáveis das invenções de Steve Jobs e outras cabeças privilegiadas da tecnologia das comunicações. O telefone celular, a internet e suas derivações deram ao cidadão comum a possibilidade de se expressar livremente como jamais na história humana.
Todo mundo emite opiniões a todo momento, sem nenhum freio, e o resultado é assustador: as pessoas não têm o menor respeito pelas outras pessoas.
Kant e Schopenhauer, que estou numa fase kantiana e schopenhaueriana, pois Kant e Schopenhauer ensinaram que o homem se move por algo que existe antes da razão. Não é nada transcendental, nada mágico, nada divino, é só a vida sendo vivida, é a natureza íntima das coisas, dos animais e das pessoas.
Do mundo, enfim. Schopenhauer chamava a isso de “vontade”. Essa vontade está em tudo, até na samambaia plantada no vaso da sala, que cresce e se desenvolve e acaba por morrer. Mas essa vontade escraviza o homem, faz com que ele faça coisas mesmo quando seu intelecto não quer fazer. Para Schopenhauer, só há um momento em que o homem se liberta da vontade.
É quando ele sente compaixão.
A compaixão pode ser definida como a capacidade que alguém tem de se colocar no lugar de outro ser humano e compreender o que ele (o outro) está sentindo. Quando o homem sente compaixão, nega a própria vontade e supera o egoísmo natural do ser humano. É uma pequena façanha.
Conheço muitas pessoas inteligentes e talentosas que são pessoas menores exatamente por não sentirem compaixão. Não me refiro à compaixão despertada pela tragédia: uma doença grave, um acidente, uma trapaça da sorte. Não. Aí é fácil se colocar no lugar do outro. Refiro-me ao trato do dia a dia.
Um sujeito se acha muito inteligente, mas destrata um balconista, é grosseiro com um colega ou oprime um subordinado. Ou seja: é uma pessoa que não consegue ir além do seu egoísmo. Ela não consegue retirar-se do centro do mundo e não consegue ver que, agindo como age, está produzindo sofrimento no outro. Não tem compaixão.
Via internet e outros tantos meios tornados possíveis por Steve Jobs & cia, o homem comum insulta a tudo e a todos, difama, agride, ataca, esparrama-se em malícia. Suponho que os homens sempre foram assim, mas antes esse lado sórdido estava oculto no anonimato. Agora, o anônimo se mostra por inteiro, sua vontade schopenhaueriana está nua, às vistas do mundo, e o que se vê não é bonito.
O curioso é que, ao ganhar a oportunidade de se comunicar mais com as outras pessoas, o homem comum não se aproximou das outras pessoas. Ao contrário, ele exercita cada vez mais o seu egoísmo, torna-se cada vez mais incapaz de se colocar no lugar do outro. É uma doença desta época. Uma época de homens sem compaixão.
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