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sábado, 15 de outubro de 2011
15 de outubro de 2011 | N° 16856
CLÁUDIA LAITANO
A Lei do Lilinho
Depois do Machado de Assis branquela e da Gisele Bündchen de combinação, o personagem da polêmica publicitária da semana é um singelo peixinho dourado – e esta deve ser a primeira vez na história em que as expressões “polêmica” e “peixinho dourado” dividiram a mesma sentença.
Lilinho, infelizmente, não viveu para assistir à repercussão da sua performance. Na primeira cena do comercial, lançado esta semana em comemoração ao Dia das Crianças, ficamos sabendo que Lilinho, como os peixes dourados tendem a fazer, morreu sem dar aviso prévio para a dona – uma garotinha adorável, como tendem a ser as meninas de cinco anos. Quem narra a história é o pai dela: “Querida filha, só estou escrevendo este texto porque você ainda não sabe ler. Do contrário, eu não escreveria.
É que você ia ficar bem chateada em saber que o seu peixe, o Lilinho, morreu. De modo que aquele que está no seu aquário agora é bem parecido, mas não é o Lilinho. Sua mãe – as mães são assim –, sem que você soubesse, resolveu comprar outro e pôr no lugar dele”. Seguem-se imagens muito bem filmadas de crianças brincando sob a luz difusa do pôr do sol de Porto Alegre e a mensagem final de que os filhos, sempre que possível, devem ser poupados de notícias ruins.
Cadê a polêmica?, vocês vão me perguntar. O comercial é bonito, empenhado esteticamente e “do bem”– afinal, quem não acha importante defender as crianças das maldades e tristezas da vida? A questão é que, provavelmente sem querer, a história de Lilinho e sua dona acabou tocando em um ponto sensível da nossa época: a dificuldade dos pais de lidar com a frustração dos filhos.
Ao mentir sobre a morte do Lilinho para proteger a filha, esses pais amorosos perderam uma boa oportunidade para conversar e dar um sentido para aquela perda. (Eu sei que é apenas um comercial inocente tentando contar uma história terna no Dia das Crianças e talvez nem merecesse tanta divagação assim, mas quem está no ar é para se molhar, não é mesmo?)
Quem já jogou peixinhos mortos na privada com o filho ou já teve que contar que a avó estava doente sabe que as crianças são mais resilientes do que se imagina. Peixes que morrem, avós que adoecem, ambições que não se realizam – tudo isso faz parte da vida.
É a maneira como enfrentamos esses problemas que, afinal, vai fazer diferença. Nossos primeiros modelos, obviamente, estão em casa, e é a maneira como nossos pais lidam com os pequenos e grandes desastres cotidianos que vamos tratar de emular no futuro.
Crianças que crescem em reinos encantados onde os peixes não morrem e os menores desejos são satisfeitos podem ter mais dificuldade, mais tarde, para lidar com as próprias frustrações – e também para reconhecer as necessidades alheias, o que é ainda pior.
Têm mais chances de formar um adulto generoso e relativamente equilibrado os pais que substituírem a Lei do Lilinho, “nada precisa ser como é”, pela velha Lei de Nietsche: “Aquilo que não nos mata nos torna mais fortes”.
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