sábado, 29 de outubro de 2011



29 de outubro de 2011 | N° 16870
DAVID COIMBRA


O Melhor de todos não existe

Citius, altius, fortius. O mais rápido, o mais alto, o mais forte.

O lema dos Jogos Olímpicos que o Barão de Coubertin tomou emprestado de um frasista amigo seu, o Padre Didon, este lema que vige até hoje nos Jogos é, de resto, a razão de ser de quaisquer jogos esportivos. Um jogo pretende sempre apurar quem é O Melhor. Mas esse anseio é irrealizável. Não existe nem nunca existiu nem jamais existirá O Melhor no que quer que seja.

A prova do que digo é fornecida, exatamente, pelo esporte. Você pega o futebol, por exemplo. O mais popular dos jogos esportivos. O futebol fornece uma série de exemplos clássicos de que é impossível apontar quem é O Melhor.

O Maracanazo de 50, a derrota acachapante da Hungria de Puskas para a Alemanha em 54, a mesma Alemanha batendo a Holanda de Cruyff 20 anos mais tarde, o fracasso do Brasil de Telê em 82, o estranho desfalecimento de Ronaldo que levou a Seleção Brasileira à falência na França em 98. Exemplos mundiais, notórios, exemplos do tamanho de uma Copa do Mundo. E todas as semanas explodem outros, menores, mas igualmente expressivos, de favoritos se desmanchando diante de inimigos pretensamente inofensivos.

Isso poderia significar a frustração absoluta do esporte, já que o principal objetivo da atividade não é atingido. Mas não é o que acontece. Ao contrário, até: o esporte acaba alcançando plenamente o seu objetivo através de dois caminhos opostos:

1. O esporte, mesmo que não apure quem é O Melhor, fornece a ilusão de que apurou quem é O Melhor. Pelo menos momentaneamente, pelo menos ao fim de uma temporada. Essa ilusão é um consolo para as pessoas. Elas se enganam pensando que é possível haver alguém ou algo que seja O Melhor, e aí a vida se torna mais simples, organizada e compreensível. Ali está O Melhor, depois dele vem o segundo melhor, a seguir o terceiro melhor e, lá adiante, o pior de todos. Está tudo classificado, rotulado e arquivado. Não é preciso mais pensar no assunto. Isso é tão conveniente. Dá a confortadora ideia de que a existência é previsível.

2. Exatamente, e contraditoriamente, por não conseguir jamais apurar quem é O Melhor, por apresentar vez em quando uma surpresa chocante, o esporte fascina as pessoas. Porque elas percebem que ali está a representação da vida, as incongruências, incoerências e imprevistos da vida. Os dramas, as comédias, as tragédias, as alegrias e tristezas todas da existência são reproduzidas pelo esporte em escala inofensiva. A vida não é reta e o esporte mostra isso a cada torneio, assim como o mundo mostra isso todos os dias.

São sentimentos conflitantes, mas que acabam se completando e se encaixando à perfeição: no esporte, as pessoas anseiam por apurar quem é O Melhor e acreditam que vão apurar quem é O Melhor. Mas, ao não conseguirem, ao serem surpreendidas entendem que a vida é assim mesmo, que há circunstâncias imponderáveis em tudo e em todos, e isso termina sendo a grande lição do esporte. A beleza do jogo esportivo é precisamente essa incapacidade de atingir seus próprios objetivos.

O esporte tenta demonstrar quem é o mais forte, mas acaba demonstrando que, mesmo que exista alguém muito forte, sempre haverá alguém ainda mais forte. O esperto sempre encontra alguém mais esperto, a mais bela sempre encontra alguém mais bela. A espetacular variedade da vida.

Por isso, a derrota é fascinante. Dias atrás, um bom amigo meu proferiu, no bar da Redação, uma frase aparentemente casual, mas na verdade profunda, que me tocou:

– Eu sempre admirei meu pai – disse o meu amigo, com um copo de café na mão. – Mas só fui amá-lo quando vi que ele também errava.

Aí está. Perder é fundamental. A derrota faz parte da essência humana. Não é por acaso que times derrotados forjam torcidas fanáticas. A massa vibrante do Corinthians cresceu no fermento dos 23 anos sem um único título do clube, período interrompido pelo gol de Basílio em 1977. O inchaço da maior torcida do Brasil, a do Flamengo, ocorreu nos anos 60, década mais pobre de títulos da história do clube.

E agora, nas séries subalternas do Brasileirão, o Santa Cruz dá um show nas arquibancadas. Por que o amor floresce nas horas ruins? Porque a vida é feita também de horas ruins. Campeões invencíveis não são humanos. Campeões invencíveis podem até ser admirados, mas amados nunca serão.

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