sábado, 8 de outubro de 2011



08 de outubro de 2011 | N° 16850
DAVID COIMBRA


A civilização faz do homem mulher

Por que os egípcios não cavalgavam?

Eis uma questão que sempre me intrigou, e só agora penso ter resolvido.

Pois os egípcios, durante milênios, desconheciam o cavalo. Foi com espanto, talvez horror, que travaram contato pela primeira vez com esse quadrúpede tão amiguinho dos gaúchos do Pampa, dos povos bravios das estepes, dos caubóis do Velho Oeste e de Athina Onassis.

Deu-se, o encontro dos egípcios com o cavalo, em lamentáveis circunstâncias. Aí por volta de 1800 anos antes de Cristo, os hicsos, um povo nômade que vivia a vaguear pelas terras da Palestina, forçou as fronteiras do Egito ao Norte, no Delta do Nilo, e por lá se derramou.

Os egípcios haviam esquematizado um Estado organizado que tinha, na época, mais idade do que têm hoje a maioria dos estados ocidentais. Mas não resistiu aos selvagens hicsos exatamente porque eles, os hicsos, dispunham dessa arma secreta: o cavalo. Montados, os hicsos devastaram as cidades do Delta, mataram, escravizaram, estupraram e, por fim, se estabeleceram.

Essa última informação é fundamental para o que vou discorrer mais tarde: “eles se estabeleceram”. Mas isso fica para mais tarde. Por ora, interessa-me o caso cavalos & egípcios.

Ocorre que eles, os egípcios, imitaram o conquistador e assimilaram o uso do cavalo. Depois de 220 anos de dominação, os egípcios se revoltaram, atrelaram os cavalos a carros de guerra e bateram os hicsos, que se evadiram deserto afora e voltaram para as areias da Palestina com o rabo entre as pernas. Alguns historiadores afirmam que lá, na Palestina, os hicsos fundaram Jerusalém, antes de evaporar nas brumas da História para todo o sempre.

Os egípcios, porém, só usavam o cavalo para puxar carros e carruagens. Jamais montaram. Jamais constituíram uma cavalaria. Por quê? Penso ter descoberto a resposta essa semana, ao ver uma carroça sendo puxada por um cavalo magro sobre o asfalto da avenida. Ante a cena, imaginei, e peço agora que você imagine também, que havia sido realizado o sonho dourado dos ecologistas: todos os veículos movidos a motor estavam extintos como pássaros dodôs.

Os seres humanos precisavam se deslocar de um lugar para outro em bicicletas, como quer o David Byrne, ou em veículos de tração animal. Uma cidade de tamanho médio, como Porto Alegre, com pouco menos de milhão e meio de habitantes, teria de contemplar pelo menos um milhão de cavalos para puxar bondes e charretes, para subir ladeiras e percorrer a distância inteira de uma Avenida Borges de Medeiros. Certo. Os cavalos, como quaisquer bichos e você também, comem e bebem.

Certo. Bebendo e comendo, processam a energia e expelem excrescências. Certo. Os cavalos não têm o hábito de usar sanitários e dar descarga, não é? Certo. Bem, pense em um milhão de cavalos fazendo cocô e xixi pelas ruas da cidade, todos os dias, todas as horas, sem parar. Pensou? Agora, corra até o seu carro e diga a ele que ele não é tão mau assim, como afirmam uns e outros.

O que quero dizer é que você não usaria cavalo, tendo carros movidos a motor. Já os egípcios não tinham automóveis, mas tinham o Nilo. O país deles era estreito e comprido como um macarrão, uma franja de terra de 15 quilômetros de largura média ao longo do Nilo. Ou seja: os egípcios se deslocavam de barco, transporte muito mais rápido, higiênico, confortável e prudentemente inanimado.

Solucionado esse intrigante problema, voltemos ao mais importante do texto, situado naquele parágrafo lá de cima, em que está escrito que os hicsos “se estabeleceram”. Aí está! Depois de conquistar o Delta do Nilo, eles se estabeleceram. Isto é: fincaram raízes, constituíram lares, formaram famílias. Tornaram-se sedentários, enfim.

E o sedentarismo é o oposto do nomadismo. O nomadismo é selvagem, indômito e masculino. O sedentarismo é civilizado e feminino. A civilização é feminina. É obra da mulher. Os hicsos, ao se civilizarem, construíram comunidades, se sofisticaram, provavelmente se dedicaram às artes e ao pensamento. Tornaram-se femininos. A civilização é efeminada. Efeminados, os hicsos expuseram-se à reação egípcia, foram expulsos das fímbrias do Nilo, voltaram ao deserto e se extinguiram.

Assim aconteceu com eles, como aconteceria com tantos outros povos da História depois deles. A Civilização torna o homem mais requintado, mais mole, mais feminino, mais sujeito à ação bárbara e masculina de um conquistador brutal. Porque o conquistador tem de ser brutal.

Um Damião, do Inter, e um Fernando, do Grêmio, o que eles têm em comum é que ainda estão na fase da conquista. Ainda são brutais. É assim que tem de ser um jogador da Dupla: tem de ser um rude esfomeado, um selvagem destruidor de civilizações. Homens que já conquistaram e que se amolentaram pelo sucesso não têm lugar por aqui.

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