sábado, 29 de outubro de 2011



29 de outubro de 2011 | N° 16870
ANTONIO AUGUSTO FAGUNDES

Fitinhas

Entrei por primeira vez em um cinema em 1945, em São Borja, levado pelo meu irmão Aldo,, que já estava viciado na novidade: me contava com entusiasmo dos filmes do Gordo e do Magro, tinha visto Gentil Tirano, com Robert Taylor, e me repetia a história do pistoleiro que se deixara matar – já adulto, anos mais tarde, vi finalmente o longa. (A versão do Aldo, na minha memória até hoje, era muito melhor, sobretudo os diálogos.)

Foi amor à primeira vista. Me apaixonei perdidamente pelo cinema e decidi que era o que queria ser na vida: artista de cinema, fazedor de filme (até hoje estou tentando...). Logo a família voltou para o Alegrete, e eu me tornei presença obrigatória no Cine Teatro Glória, amigo do gerente.

Via, sem perder nenhum, todos os filmes que passaram lá, com ênfase nas matinês de domingo. Era a grande sessão da gurizada, que entupia a rua diante do cinema trocando revistas em quadrinhos e escambando e até comercializando “fitinhas”. Às quatro e meia havia a sessão mais importante da semana, a matinê dos namorados, que exibia os grandes filmes, os mais esperados.

Aos 16 anos, com a concordância do gerente e do seu João Peres, diretor da Gazeta do Alegrete, me tornei crítico de cinema, com direito a carteirinha e entrada livre em qualquer sessão do Glória. Aí foi o céu! Os filmes da Pelmex, as chanchadas da Atlântida, os argentinos da San Miguel, os coloridos da Metro, os noir da Warner, tudo, tudo eu via, sem perder um. (As minhas primeiras fantasias eróticas foram animadas por Ninon Sevilla e Maria Antonieta Pons...). Mas a minha paixão eram os filmes de mocinho, decerto pela origem campeira.

Diante do Cine Glória, antes e depois da matinê, a gente comercializava revistas em quadrinhos: Guri, Gibi e Globo Juvenil. Mais tarde surgiu Aí, Mocinho. Também uma série do Pequeno Xerife de formato reduzido e as balas Red Boy, que traziam estampas, uma por bala, que a gente colecionava e colava num álbum, até completá-lo, contando uma façanha do mocinho Red Boy.

O Fidêncio, meu colega, completou conseguindo a “figurinha difícil”, que não vinha nunca e ganhou uma bola das Casas Oliveira, do seu Zezinho Oliveira. A “figurinha difícil” era “Distribuindo rifles” , e eu até hoje sei de cor muitas legendas das estampas.

As fitinhas foram um caso à parte. Sobravam da projeção pedaços das cópias dos filmes, e os operadores cortavam os fotogramas, um a um, e nos davam, os nos vendiam. Nós enrolávamos cada fotograma, “a fitinha”, em celuloide, para protegê-lo e colecionávamos na maior quantidade possível, vendendo ou trocando as que sobravam ou não interessavam. O Danilo Morteo se gabava: “Tou bem de fitinha, tenho duas Bill Eliott!”. Wild Bill Eliott era astro de seriados e filmes de mocinho de segunda linha, muito prestigiado pelos colecionadores de “fitinha”.

As minhas coleções de revistas em quadrinhos, meu pai queimava todas, sistematicamente. O meu álbum do Red Boy, sem a “figurinha difícil”, desapareceu, levando junto Kit, o Pequeno Xerife. Mas as fitinhas, meu Deus, que fim terão levado? Eu tinha até dois Tyrone Power em A Marca do Zorro.

Belos tempos da adolescência. Tudo desapareceu, que pena!

nicofagu@terra.com.br

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