sábado, 4 de junho de 2011


CLÓVIS ROSSI

Decodificando Palocci

SÃO PAULO - Quando Lula montava seu ministério, no finzinho de 2002, Ricardo Kotscho, assessor de imprensa e, mais que isso, amigo íntimo, cobrou: "Você tem que nomear o Palocci".

Lula quis saber a razão, e Kotscho explicou direitinho: "Porque ele é muito divertido".

Premonitório meu amigo Kotscho: Palocci se divertiu à beça, como ele próprio confessa agora candidamente (ou cinicamente, a seu gosto, leitor).

Usou seus anos de ministério para construir os alicerces de um apartamento de R$ 6,6 milhões, comprado praticamente à vista. Como? "No mercado de capitais e em outros setores, a passagem por Ministério da Fazenda, BNDES ou Banco Central proporciona uma experiência única que dá enorme valor a esses profissionais no mercado", explica a nota de Palocci.

Ingênuo e purista que sou, não gosto de que se coloque etiqueta de preço em seres humanos, ainda mais em servidores públicos. Mas não sou tão ingênuo a ponto de ignorar que Palocci disse a verdade, parte da verdade ao menos.

A parte que ocultou é a seguinte: a passagem por esses postos -ou outros- dá a quem a fez conhecimento das entranhas e engrenagens do poder, o que facilita abordagens do setor privado que quer ou precisa fazer negócios com o Estado, em qualquer de suas esferas.

Em linguagem clara, o mecanismo chama-se tráfico de influência. Não sei se Palocci o praticou, mas é evidente que as empresas que contrataram a sua consultoria estavam de olho nessa possibilidade. Só não sabia que esse, digamos, trânsito dava tanto dinheiro assim.

Como é ilógico supor que uma eventual queda de Palocci seria um desastre (se não o foi em 2006, menos ainda o seria agora), resta suspeitar que a blindagem que até a oposição oferece ao ministro deve-se à expectativa de usar, hoje ou no futuro, a "experiência única" que tanto gozo deu a Palocci.

crossi@uol.com.br

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