quarta-feira, 29 de junho de 2011



29 de junho de 2011 | N° 16744
JOSÉ PEDRO GOULART


Meia-noite e um pum

Não sei se é verdade, mas parece que até um arroto do Sinatra era afinado. Ré maior. E veja o caso do Woody Allen; esse filme dele, Meia-Noite em Paris, desculpem, é bem mal feitinho, relaxadinho; digamos, um punzinho. Mas, senhores, é um punzinho do Woody Allen. Devem haver safras de Chateau Petrus que não valem o que cobram, porém quem pode bebe mesmo assim: o sabor da lenda não tem preço.

Razão pela qual um filme do Woody Allen não tem preço. Esse é sobre as pessoas que vivem dizendo “que antigamente é que era bom” . É da natureza do ser humano imaginar esse tipo de coisa.

Ao enviar o protagonista numa viagem ao passado, Allen prevê um encontro com artistas célebres, aqueles que cruzaram pela Paris, nos famosos anos 20. Claro, sempre à meia-noite, quando esse tipo de magia se dá. Mas, surpresa, o pessoal daquela época especial também achava que “antes” é que era melhor, santa ironia.

Woody Allen está certo, exceto pelo fato de estar errado. (Embora não esteja, no fundo, como veremos – isso se você não me largar de mão antes.) Woody Allen está errado porque em muitas coisas (não todas) o passado de fato “era” melhor. Como eu sei disso? Ora, porque qualquer um que conheça o presente pode comparar, é só ter vivido em épocas diferentes.

O que não dá é para estabelecer comparações com futuro – a esse só podemos dedicar ilusão, essa sim, diferentemente da nostalgia, é matéria prima da felicidade. Aliás, o Woody Allen também acha isso. Demonstra na música que toca em seus filmes, no olhar saudoso com que olha através da câmera. Mas isso não impede que ele rode um filme por ano. As pessoas que realmente vivem só no passado não fazem nada.

E Woody Allen está certo quando indica que o inferno ou paraíso são portáteis. Isto é, vão com “a gente” onde quer que estejamos; carregados numa Louis Vuitton novinha ou levados por uma sacola de supermercado, pouco importa. A época, os lugares, os encontros, tudo é secundário perto da paixão quando somos capazes de senti-la. Ficar pensando que ela está, ou estaria, em algum outro lugar diferente do que estamos é que é fatal.

Allen vem dizendo isso há anos, com filmes mais ou menos afinados. A fonte parece inesgotável, embora, estou certo, ele sinta saudades de um mundo menos fugaz. O sujeito é um humorista romântico, quase um paradoxo.

Metade dos problemas da vida se resume no medo que todo mundo tem de ficar sozinho; a outra metade é realmente ficar sozinho. Talvez haja um único antídoto para isso, esteja certo, eu pelo menos estou, que o antídoto está contido nesse punzinho do Woody Allen.

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