sexta-feira, 17 de junho de 2011



17 de junho de 2011 | N° 16732
DAVID COIMBRA


Quero meus privilégios

Uma noite sorvíamos chopes cremosos e dourados e gelados no velho Lilliput, aí pedimos algo diferente, não lembro o que, e o garçom recusou polidamente com o seguinte argumento:

– Aqui neste bar ninguém tem privilégios.

– Opa! – exclamei, já levantando. – Então vamos embora. Não sabia que aqui eu não tinha privilégios.

Sou cioso dos meus privilégios. Se os mereço, espero dispor deles. Dou preferência a um bar? Reservem-me a melhor mesa. Meu amigo virou autoridade? Continue me atendendo ao primeiro toque do telefone.

Não pretendo prejudicar ninguém. Não quero que tirem a mesa do outro. Não quero que tenha menos. Quero ter mais, SE merecer mais. Se tenho privilégios é porque trabalhei para isso, ou porque tenho algum talento, ou o afeto dos amigos. E aceito com alegria que o outro seja privilegiado, se houver mérito nisso. Alguém tem mais capacidade? Que ganhe mais e trabalhe menos. É justo.

Quem, com seus méritos, acumula privilégios e detém um excedente deles, pode viver disso. Pode vendê-los. Você não tem seus próprios privilégios? Procure quem os angariou e compre-os. O vendedor de privilégios chama-se lobista. Em geral, ele comercializa os seus contatos. A palavra diz tudo: contato significa exercer o sentido do tato. Tocar. A proximidade do lobista com o poder é tátil. Ele toca nos poderosos.

Assim o Palocci. Suspeita-se que tenha atuado como lobista, e foi essa a razão da sua desgraça. Não só por ter sido lobista, mas por ter sido lobista enquanto “ministro presuntivo”. Curioso é que Palocci poderia até nem ter atuado como lobista, e sim como consultor, segundo alega.

Uma hipótese: e se tivesse prestado assessoria, por exemplo, na fusão de dois grandes bancos privados? Com seu conhecimento das entranhas do Estado, era o homem perfeito para deslindar trâmites e burocracias.

Digamos que fosse um negócio de bilhões. Então, R$ 20 milhões de comissão é bagatela. Palocci, portanto, poderia estar limpo. E estaria, ainda que fosse lobista. Não estava. Por quê? Qual foi seu erro? Um erro subjetivo, porque invade o terreno da ética, mas ainda assim um erro: foi aceitar um cargo no governo.

Aí o lobby, num movimento retroativo, virou tráfico de influência. Ele teria se aproveitado do seu posto de “futuro ministro”, e não exclusivamente de seu prestígio, de seus “privilégios”.

Na veterana democracia dos Estados Unidos, o lobby é uma atividade encarada com naturalidade. Porque uma democracia vive de pressões, de defesas de interesses. Mas lá o lobby é exercido às claras. Há lobistas profissionais.

Eles têm escritórios de lobby e recebem permissão para exercer a função. Se Palocci fosse lobista profissional, agindo às claras para usufruir dos privilégios que conquistou com seus serviços ao governo, não haveria empecilho ético. Talvez ele até pudesse assumir o ministério depois.

Mas, no Brasil, ter privilégio ou ser rico é vergonhoso. O brasileiro não acredita que possa haver merecimento numa ou noutra condição, não acredita que possa haver talento ou trabalho nisso; só acredita que possa haver o ilícito. É uma informação sobre o brasileiro. Como foi dito um dia, 2 mil anos atrás, cada um julga os outros com sua própria medida.

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