sábado, 18 de junho de 2011



19 de junho de 2011 | N° 16734
VERISSIMO


A enciclopédia Manchu

Só para ficar maior do que a enciclopédia Ming, a enciclopédia Manchu trazia, além de todos os bichos da China, bichos imaginários

Quando as primeiras enciclopédias surgiram no Ocidente, no século 18 (a Encyclopédie dos franceses começou a ser feita em 1751, o que viria a ser a Encyclopedia Britannica em 1768), já existiam enciclopédias antigas em Bizâncio, no mundo Islâmico e na China. No século 10, apareceu uma enciclopédia chinesa com mil capítulos. No século 15, uma enciclopédia feita para o imperador Ming por 2 mil escribas da corte já tinha 23 mil capítulos.

O imperador de Manchu, com ciúmes de Ming e da sua obra, encomendou a 3,8 mil escribas uma enciclopédia que incluiria tudo produzido e sabido pela civilização chinesa em toda a sua história. Foram caligrafadas sete cópias dos 79 mil capítulos da enciclopédia Manchu, contendo 800 milhões de palavras muito maior do que a moderna Enciclopédia Britânica (mas menor do que a Wikipédia, com seus 2 bilhões de palavras). E nem uma palavra da enciclopédia Manchu era sobre a enciclopédia Ming.

Dizem que para superar a enciclopédia Ming, o imperador de Manchu mandou incluir na sua não só tudo que existia e tinha acontecido no mundo conhecido (com exceção da enciclopédia Ming), mas coisas cuja existência e ocorrência eram debatíveis ou improváveis. Assim, só para ficar maior e mais completa do que a enciclopédia Ming, a enciclopédia Manchu trazia, além de todos os bichos da China, bichos imaginários, como dragões de três cabeças; além da biografia do imperador de Manchu, todos os seus sonhos durante toda a vida; além dos remédios recomendáveis para esta ou aquela doença, milhares de feitiçarias profiláticas.

Deve-se à necessidade do imperador de Manchu de fazer uma enciclopédia definitiva, e à criatividade de 3,8 mil escribas com total liberdade para inventar, um compêndio paralelo de coisas fantásticas, crenças e mitos que, em muitos casos, atravessaram o tempo até os nossos dias.

Por exemplo: um dos 79 mil capítulos da enciclopédia Manchu é sobre o poder oculto dos gatos. Lá está escrito que os gatos enxergam fantasmas. Se o seu gato de repente, sem qualquer motivo aparente, sai correndo pela casa, se não é rato é porque viu um fantasma. Você pode saber se há fantasmas na sua casa pelo grau de inquietação do seu gato. Os gatos recebem mensagens pelo seu rabo levantado. Quando se escondem debaixo dos móveis, é porque ficaram sabendo, com antecedência, de uma explosão solar. Todos os gatos, sem exceção, são reencarnações de coletores de impostos.

Todos os bichos sabem falar como os humanos, só acham que ainda não chegou a hora de revelar isto. Quando todas as cascatas do mundo, em vez de caírem, começarem a subir, sinal de que o fim está próximo, proporão uma conversa conosco para tratar de velhos ressentimentos. Liderados pelos hipopótamos, descritos – no capítulo 32 mil – como os mais intelectualizados. O papagaio recebeu licença para falar antes do tempo porque tinham certeza de que ele só diria besteira e não levantaria suspeitas.

A enciclopédia Manchu dedica 720 rolos só a combinações mortais, como comer manga com leite debaixo do chuveiro. Desaconselha o uso de qualquer dispositivo antirraios na cabeça durante tempestades elétricas, pois, se houver realmente Alguém ou Alguma Coisa que rege nossos destinos e direciona os raios, pode usar como alvo.

Dezessete dos 79 mil capítulos da enciclopédia Manchu abordam, de uma maneira ou de outra, histórias que circulam sobre o comportamento da mãe do imperador Ming.

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