quarta-feira, 15 de junho de 2011



15 de junho de 2011 | N° 16730
PAULO SANT’ANA


Fim da etapa cruciante

Ontem foi o dia mais importante da minha vida até aqui. Terminei o tratamento a que fui submetido em 43 dias, quando houve 31 sessões de radioterapia.

Não sei como pude suportar. Não só as aflições, mas os tormentos dos paraefeitos, entre os quais boca seca, garganta fechada pelas placas de tecidos queimados pelos raios, a ponto de não conseguir deglutir um só grama de alimento.

Desnutrição óbvia, o que implica fraqueza total, total perversão da pele nos locais atingidos pelas aplicações, enfim, “o quadro de aflições que me consomem/ o próprio Pedro Américo não pinta/ para pintá-lo era preciso a tinta/ feita de todos os tormentos do homem”.

Ajudaram-me nesse percurso para o pelourinho, além de raros amigos, os médicos e os atendentes.

Mas eu desconfio que o que mais me ajudou nessa transposição do Rubicão foi uma decisão minha no início: “Aconteça o que me acontecer, não deixarei nunca de escrever minha coluna, nem que o tratamento me estraçalhe”.

Não sei como pude conseguir. Mas consegui. Transpus com serenidade de anacoreta os 31 círculos do Inferno de Dante da radioterapia.

Isso não quer dizer a cura. É um trajeto esperançoso para ela.

Enquanto nos próximos 40 dias sofrerei os paraefeitos terríveis que têm como centro a mais completa ausência do paladar (queridos leitores, nunca saberei definir o martírio dessa falta), depois haverá exames de revisão que avaliarão a eficácia da radioterapia. Mais 40 dias de longa, torturante, esperançosa espera.

Vamos ver.

Mas o que eu também queria contar, e o prólogo foi valioso para esta valorização, é sobre a cena da minha despedida, ontem, do Centro de Oncologia e Radioterápico do Hospital Mãe de Deus.

O último dia de radioterapia ou quimioterapia é aguardado com ansiedade extraordinária pelos pacientes.

Pois não é que entraram na sala o chefe do setor, o oncologista Cláudio Sá Brito, seguido de 20 funcionários, a enfermeira, o físico, o engenheiro as outras técnicas e demais atendentes.

O Dr. Cláudio empunhava um violão que dedilhava habilmente por sinal. E atrás os outros 20, formando um coral.

E olhem o que me cantaram, deixando-me embebido de lágrimas dentro de meu avental, um samba do melhor repertório dos entendidos em samba:

Vai passar

Esse teu mal-estar

Esse nó na garganta

Deixa estar

O próprio tempo dirá

Água demais mata a planta.

A interpretação minha para a cena descrita acima está hoje em uma entrevista que dei para o Moisés Mendes em zerohora.com.

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