Aqui voces encontrarão muitas figuras construídas em Fireworks, Flash MX, Swift 3D e outros aplicativos. Encontrarão, também, muitas crônicas de jornais diários, como as do Veríssimo, Martha Medeiros, Paulo Coelho, e de revistas semanais, como as da Veja, Isto É e Época. Espero que ele seja útil a você de alguma maneira, pois esta é uma das razões fundamentais dele existir.
quarta-feira, 29 de junho de 2011
ANTONIO PRATA
Jogando pela janela
Embora faça mais de uma década que porcos, bambis, peixes e gambás intimem-se à felação, não me acostumo
CURIOSOS SÃO os caminhos do engenho humano. Tome o caso do futebol e das janelas, por exemplo. Por mais de cem anos, os dois viveram isolados, sem que nenhum torcedor percebesse o potencial lúdico e ofensivo desta união.
Eis então que, em algum momento da década de 90 do século passado, a centelha da inventividade espocou nos neurônios de um boleiro, trazendo-lhe a brilhante ideia de escancarar as persianas, cravar as mãos na esquadria e dividir com o quarteirão suas fantasias mais íntimas: "Chuuuuuuupa porco!".
Estava criada, assim, uma nova forma de comunicação: o insulto-futebolístico-intercondominial.
Embora já faça mais de uma década que, pelas janelas do meu bairro, porcos, bambis, peixes e gambás intimem-se mutuamente à felação, ainda não consegui me acostumar com o fenômeno. Toda quarta e domingo, salto do sofá ao primeiro grito, deixando cair das mãos o livro ou o controle remoto, crente que está pegando fogo no prédio, que estão assaltando o apartamento de cima.
Fecho as janelas, aumento o volume, mas é difícil me concentrar com as imagens que cruzam o céu da cidade, dignas de um quadro de Bosch, de um dos "Caprichos de Goya", de uma versão hardcore da Arca de Noé, por Robert Crumb: homens com camisetas de seus times, as calças arriadas, recebendo fellatios de peixes, porcos, de gambás, do Bambi.
A relação entre o esporte bretão, a zoofilia e o sexo oral é um mistério a ser desvendado por psicólogos, cientistas sociais e semiólogos. A este modesto cronista cabe apenas levantar perguntas mais simples. Por exemplo: se desde o início da humanidade há janelas e discórdias, por que foi somente o futebol que deu às fenestras o atual status de arena?
Ou estarei errado, e nas noites estreladas da Grécia antiga ecoavam provocações como "chuuuuuupa, tebano frouxo!", "cala a boca, espartano maloqueiro!"? Terão as vozes se levantado entre os muros dos castelos, defendendo protestantes e católicos: "Vaaaaaai Luteroooo!", "Eô, eô, torquemada é um terror!"?
Acredito que não. Se a comunicação intercondominial já existisse no passado, teriam chegado até nós outros exemplos, para além das tranças de Rapunzel. Ao que parece, o fenômeno é recente e está só começando. Pelo que noto aqui em Perdizes, já não se restringe ao ludopédio.
Várias vezes por semana, alunos do Mackenzie urram, de forma nada polida, sua superioridade sobre os estudantes da PUC, ao que os filhos da PUC respondem, na mesma altura e baixeza; um tal de Arthur tem sido constantemente insultado, e há também meras manifestações de júbilo, encarnadas neste gritinho tão irritante que, desde o surgimento do Big Brother, disseminou-se como uma praga pelo país: "Uhu!".
Faz algumas semanas, li neste caderno que uns prédios já estão multando seus condôminos berrões. Acho bom. E iria além: em caso de reincidência, o linguarudo deveria perder o direito à janela, assim como um motorista inábil perde a habilitação. Acimentem-se as fenestras: o sujeito terá que viver para sempre num cubo sombrio, ouvindo o eco das próprias palavras e refletindo sobre seus obscuros significados.
antonioprata.folha@uol.com.br
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