terça-feira, 28 de junho de 2011



28 de junho de 2011 | N° 16743
CLÁUDIO MORENO


Homens e mulheres (9)

Um povo só consegue definir a si mesmo quando se compara com outros. Sem recorrer a modelos exteriores, fica difícil chegarmos ao distanciamento necessário para enxergar nossas próprias características.

A melhor maneira de responder à pergunta “como é o brasileiro” seria colocar-nos lado a lado com o português, o alemão, o italiano ou o argentino – não tanto para apontar as semelhanças, mas muito mais para realçar as diferenças, que sempre acrescentam traços mais nítidos ao retrato.

Para consolidar sua identidade como nação, os gregos também recorriam à comparação com os demais povos, mas adotavam uma posição inaceitável no mundo globalizado de hoje: eles simplesmente dividiam a humanidade em duas facções desiguais – de um lado, representando a verdadeira civilização, ficavam eles, superiores na língua, nos hábitos, nos costumes ou nos próprios deuses; do outro, os não-gregos, inferiores por definição, a quem chamavam desdenhosamente de “bárbaros”.

Quando autores gregos descreviam as atrocidades cometidas pelos persas, por exemplo, e criticavam sua forma de governo, não era tanto dos persas que falavam, mas de si mesmos: não somos assim, não agimos assim, nós temos ideais diferentes.

Heródoto, nosso primeiro historiador, que visita o Egito quatro séculos antes de Cristo, já adota uma atitude mais avançada. Em vez de condenar, ele procura entender os hábitos e costumes diferentes que observa: se o Egito tem um clima único no mundo conhecido, se o Nilo, seu rio sagrado, também difere dos rios normais (porque enche no verão e seca no inverno), é natural que o povo de lá também tenha costumes opostos aos do resto da humanidade.

A relação homem-mulher, então, parece o inverso da Grécia: a egípcia vai ao mercado e cuida dos negócios, enquanto o homem trabalha em casa, no tear; ele carrega peso na cabeça, enquanto ela apoia a carga nos ombros; ela urina de pé, ele urina sentado; ela possui um só manto, enquanto ele sempre tem dois. Nenhuma mulher pode ser sacerdotisa, seja de um deus ou de uma deusa; os homens é que se encarregam disso... E assim por diante.

O depoimento de Heródoto é valioso para nós. Os papéis estavam trocados no Egito? Não importa; importa que lá, como em toda a parte, o papel do homem não era igual ao da mulher. A humanidade está mesmo dividida em duas facções distintas, a masculina e a feminina, inconfundíveis, definidas por tudo aquilo em que uma difere da outra.

Quando homens e mulheres aprendem a compartilhar esse gosto pela estranheza recíproca, passam a se entreolhar com tolerância, curiosidade e admiração: não somos assim, não agimos assim, não pensamos assim. Nós temos ideais diferentes.

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