quarta-feira, 15 de junho de 2011



15 de junho de 2011 | N° 16730
MARTHA MEDEIROS


Interativos demais

Antigamente, os escritores eram admirados apenas pelo que publicavam em livros e revistas. Quando algum leitor gostava muito do que havia lido e queria compartilhar com alguém, dava o livro de presente ou emprestava o seu. O conteúdo mantinha-se preservado, assim como seu autor.

Ninguém divulgava um texto de Somerset Maugham como sendo de Virginia Woolf, ninguém infiltrava parágrafos do Rubem Braga num texto do Sartre, ninguém criava novos finais para os poemas de Cecília Meireles. O escritor e sua obra eram respeitados, e os leitores podiam confiar no que estavam consumindo.

Além disso, artistas de cinema, músicos e esportistas eram mitos a cuja intimidade não se tinha acesso. Marilyn Monroe, Frank Sinatra e Pelé entregavam ao público o que prometiam – sua arte – e o resto era especulação. Mais tarde pipocavam biografias, saciando a curiosidade do público, mas o legado desses ícones manteve-se para sempre incorruptível: eram os donos legítimos de sua imagem, de sua voz e de suas palavras.

Era uma época em que aceitávamos pacificamente nossa condição de plateia, até que se inventou o conceito de interatividade e as ferramentas para exercê-la. Por um lado, a sociedade ficou mais democrática, todos passaram a ser ouvidos, diminuiu-se a distância entre patrões e empregados, produtores e consumidores: as relações ficaram mais funcionais.

Mas o mau uso dessas ferramentas provoca muita maledicência. Hoje não se consegue mais ter controle sobre a própria carreira. Um artista de televisão diz oi para uma amiga na rua e na manhã seguinte correm notícias de que estão de casamento marcado.

Uma cantora cancela um show porque está afônica e logo surge o boato de que tentou suicídio. Um escritor publica um texto no jornal e três segundos depois o mesmo texto está na internet, atribuído a Toulouse-Lautrec.

E no nosso cotidiano acontece algo similar. Fofocas se disseminam no Facebook, vídeos íntimos são divulgados no YouTube, fotos de modelos vão parar em catálogos de prostituição internacional e, com isso, a credibilidade foi para o espaço.

Ninguém mais confia totalmente no que vê ou lê, e nem se importa. Informações são inventadas, adulteradas, inexatas porque, por trás das telas dos computadores, há muita gente querendo ter seu dia de autor, mesmo que autor de uma mentira.

Sinto nostalgia pelo tempo em que éramos seduzidos de frente, não pelas costas. Não se sabia toda a verdade sobre nossos ídolos, mas o mistério era justamente a melhor parte. Sentíamo-nos honrados por sermos receptores apenas do que eles tinham de melhor, o seu talento. Hoje, não só engolimos qualquer factoide, qualquer manipulação, como também a produzimos. A invencionice suplantou a arte.

Uma excelente quarta-feira para você. Aproveite o dia.

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