quinta-feira, 23 de junho de 2011



23 de junho de 2011 | N° 16738
LETICIA WIERZCHOWSKI


Uma xícara de chá

Aos 14 anos, meu avô fugiu da fazenda da família em Terebin, no interior da Polônia, e viajou para Varsóvia como clandestino num trem; era um rapazinho corajoso e determinado, que queria uma vida na cidade grande, longe da dominadora figura paterna.

O avô chegou em Varsóvia somente com algumas moedas no bolso, e reza a história que, entrando num pequeno bar, faminto depois de vários dias de viagem, colocou sobre o balcão o dinheiro que tinha no bolso e perguntou ao atendente o que poderia comprar com aquilo. O homem do bar respondeu: “Uma xícara de chá com açúcar ou duas xícaras de chá sem açúcar”. Ao que o meu estoico avô respondeu: “Então quero duas xícaras de chá sem açúcar”.

Lembro dessa historinha familiar a cada vez que despejo a água fervente da chaleira no bule onde as folhas de chá esperam. Nunca fugi de casa, mas posso dizer que chego em casa de verdade depois que sirvo a minha primeira xícara de chá. Sou uma inveterada consumidora de chá, não sei se por herança ou por simples gosto.

Chá branco, verde, de menta, de lavanda — cada chá guarda em si o segredo de um aroma e a possibilidade de alguns minutos de aconchego. Um calorzinho bom como um abraço e um tempinho surrupiado às tarefas diárias, enquanto a fumaça perfumada sobe até o rosto e entra pelas narinas.

A história do chá é longa e encantadora, daria um belíssimo romance (que talvez já tenha sido escrito por alguém). Na China, o chá faz parte do ritual do casamento. No Japão, os visitantes são recebidos numa casa com a cerimônia do chá, na qual se desligam do mundo exterior, a fim de dedicar alguns momentos à paz de espírito junto aos anfitriões. Na Turquia, as jovens casadoiras eram analisadas conforme a sua destreza na preparação de uma infusão para o futuro esposo. No Tibete, o chá é uma oferenda.

Na Inglaterra, a terra do chá das cinco, as infusões vindas do Oriente chegaram no enxoval de Catarina de Bragança quando do seu casamento com o rei Dom Carlos II, e logo caíram no gosto da realeza britânica, espalhando-se então para toda a Europa.

Quando eu era criança, bebíamos chá com leite, blarg! Meu avô, muitos anos após a sua paupérrima chegada em Varsóvia, lutou na Segunda Guerra ao lado das tropas inglesas, gente pela qual guardou eterna admiração, e creio que introduziu quase como uma homenagem essa mania do chá com leite na família que formou aqui no Brasil. Eu o prefiro sem leite, sem açúcar e sem pressa... Para mim, muito mais do que uma bebida, o chá é um parêntese no dia.

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