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quinta-feira, 23 de junho de 2011
23 de junho de 2011 | N° 16738
PAULO SANT’ANA
Audiência pitoresca
Nunca se tinha visto algo igual: anteontem, na Vara do Júri, aqui em Porto Alegre, em plena audiência, uma defensora pública deu voz de prisão ao promotor público.
“O senhor está preso em flagrante por ter chamado a juíza que preside esta audiência de mentirosa”, dissera a defensora pública.
Imaginem o forrobodó que se criou.
Não se diga que a voz de prisão não teve maiores consequências: segundo a imprensa, o promotor foi encerrado numa sala do tribunal, em cuja porta foi colocado um segurança oficial, certamente aguardando as tratativas para levar-se à frente ou não a prisão.
Em face do caso, surgiram as proverbiais discussões jurídicas. Apareceram uns afirmando que promotor não pode ser preso, a não ser por concessão do procurador-geral de Justiça.
Já outros dizem que até presidente da República pode ser preso em flagrante. A lei diz que não, mas se discute.
E a polêmica girou mais acesa em torno de um ponto: se a vítima do crime de desacato foi a juíza presente à audiência, não era atribuição exclusiva dela dar voz de prisão ao promotor?
E por aí se foram os debates ontem nas rádios e nas ruas sobre este caso inédito e surrealista do nosso tribunal.
Imaginem os leitores os instantes que se seguiram a essa polvorosa na audiência. Eram diversos réus que estavam sendo julgados no caso em tela, todos presentes. Com que cara devem ter ficado os réus quando viram que o promotor tinha sido preso? Devem ter pensado o seguinte: “Onde é que eu vim me meter? Se o promotor acaba de ser preso, a nós, réus, deverão nos executar em praça pública”.
Se o promotor chamou mesmo a juíza de mentirosa, se a defensora pública podia ter dado voz de prisão ao promotor, tudo isso deverá ser examinado e decidido depois.
Um outro viés deste caso: será que, se alguém cometer um crime durante uma audiência em que está presente um juiz, não cabe ao magistrado exclusivamente dar a voz de prisão ao transgressor?
Ou também uma hipótese mais curiosa: se a vítima do desacato não fosse a juíza e sim o promotor, a defensora pública poderia dar voz de prisão ao ofensor?
Ou hipótese mais radical: se a juíza desacata o promotor, ela poderá ser responsabilizada criminalmente por isso?
São todas conjecturas que este episódio cabeludo acabou por fazer aflorar nas mentes dos populares e dos juristas.
Habitualmente, as relações processuais entre juiz, promotor e defensora pública são as mais elegantes e cordiais possíveis.
Raramente, como aconteceu nessa indigitada audiência, o calor dos argumentos e a fricção retórica que se instala entre os protagonistas provocam atrito mais sério nas solenidades.
Mas atrito é uma coisa, enquanto que provável ofensa grave entre eles e medida radical de um dar voz de prisão ao outro, repito, nunca se viu nada igual.
Este episódio vai entrar para o folclore dos casos pitorescos em nossos pretórios.
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