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sábado, 25 de junho de 2011
25 de junho de 2011 | N° 16740
NILSON SOUZA
Incidente em São Paulo
Pois não é que aconteceu esta semana, na capital paulista, algo muito parecido com o que Erico Verissimo imaginou para o enredo de seu último romance, o célebre Incidente em Antares. Uma greve dos serviços funerários retardou ou impediu o sepultamento de várias pessoas, causando transtornos e sofrimentos de toda ordem para os familiares dos mortos. São Paulo tem 22 cemitérios públicos, que realizam em conjunto cerca de 300 sepultamentos por dia.
Os jornais registraram alguns episódios verdadeiramente chocantes, de pessoas velando parentes em casa ou tentando removê-los em carros particulares, o que é proibido por lei. A greve em serviços essenciais também é, mas quem vai convencer os grevistas, que invariavelmente consideram suas causas mais importantes do que os direitos dos demais cidadãos? Triste, muito triste – ao contrário do livro, que é extremamente divertido.
Os mortos de Erico, insepultos devido a uma paralisação dos coveiros, ficam indignados com a desconsideração dos vivos e aproveitam-se da condição de intocáveis para fazer justiça. Saem pela cidade a atazanar a vida de parentes, amigos e autoridades, denunciando safadezas e mentiras. Como já passaram dessa para melhor, sentem-se livres das convenções sociais para dizer verdades, para aterrorizar os maus e para promover o julgamento de uma sociedade hipócrita.
Erico, pela boca ferina dos seus cadáveres, não leva ninguém para compadre: bate nos políticos à esquerda e à direita, espeta os poderosos, alfineta a imprensa, ironiza os intelectuais e atinge com maior contundência os falsos moralistas. Só poupa os humildes.
Entre os mortos que ocupam o coreto principal da cidade, exigindo o próprio sepultamento, há um bêbado, uma prostituta, um pianista suicida, um “subversivo” torturado pelo delegado e um anarquista. Todos esses, mesmo na condição cadavérica, encontram afetividade por parte de parentes e amigos. Já os poderosos – a matriarca da família mais nobre da localidade e o advogado falcatrua – só presenciam dissabores na sua breve incursão de mortos-vivos. No conjunto, porém, os insepultos dão uma inesquecível lição de integridade e justiça aos cidadãos da cidade inventada pelo escritor gaúcho.
Quando finalmente vão para seus túmulos, a comunidade se refaz do susto, desenvolve um plano para acobertar o fenômeno e retoma seus vícios rotineiros. Qualquer semelhança com o episódio paulista talvez não seja mera coincidência. Finda a greve, tende a arrefecer também a investigação de irregularidades nos serviços funerários, entre as quais a ação de papa-defuntos nas portas de hospitais e no IML, a indicação de serviços particulares por funcionários públicos mediante comissão e o superfaturamento de obras.
Antares não é difícil de localizar neste país.
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