sábado, 4 de junho de 2011



04 de junho de 2011 | N° 16720
NILSON SOUZA


Preconceito linguístico

Acho que desde os Versos Satânicos, de Salman Rushdie, não se via uma polêmica tão grande em torno de um livro – e ironicamente no momento em que esses objetos de papel também vêm sendo condenados à morte pelos fundamentalistas da tecnologia.

Refiro-me ao igualmente satanizado Por uma Vida Melhor, distribuído à rede pública de ensino com a chancela do Ministério da Educação. No capítulo intitulado “Falar é diferente de escrever”, o autor sugere que a frase “Os livro ilustrado mais interessante estão emprestado” pode ser pronunciada sem problemas, desde que o dono da palavra fique atento, porque corre o risco de ser vítima de preconceito linguístico.

Como assim, preconceito linguístico? Também me doeu esta acusação. Num primeiro momento, achei que o livro estava defendendo o analfabetismo e se vacinando contra possíveis críticas. Depois, ouvi com atenção a defesa que o ministro da Educação fez do livro e fui olhar mais de perto.

Li o capítulo da controvérsia e não percebi qualquer atentado ao bom senso, a não ser a referida rotulação. Sempre os outros é que são preconceituosos. Mas o livro não desmerece o ensino formal. Até recomenda ao usuário que leia e pratique a escrita, como fazem todos os bons livros didáticos.

Há, porém, um visível ranço ideológico nas entrelinhas. É classe dominante para cá, preconceito social para lá. O texto é um tanto panfletário, mas passaria despercebido se não viesse acompanhado da advertência: cuidado, você pode ser vítima de preconceito linguístico. Ou seja: passa a impressão de que quem fala e escreve de acordo com as regras gramaticais é também um potencial preconceituoso da língua.

Ainda assim, acho que o livro é útil. Não me agrada que seja recolhido, como sugerem algumas autoridades. A censura sempre leva implícita uma mensagem de desconsideração a quem alega proteger. Professores e alunos têm todo o direito de examinar o livro, discutir a sua proposta e escolher o ensinamento que devem tirar dela. Não é um livro perigoso, como alguns críticos apressados rotularam. É apenas provocativo.

Sobre polêmicas gramaticais, o sempre genial Luis Fernando Verissimo foi definitivo no seu Gigolô das Palavras: “Escrever bem é escrever claro, não necessariamente certo. Por exemplo: dizer ‘escrever claro’ não é certo mas é claro, certo? O importante é comunicar”.

Também acho. E encerro fazendo um trocadilho do trocadilho: falar errado pode parecer certo, mas está errado, certo?

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