quinta-feira, 23 de junho de 2011



23 de junho de 2011 | N° 16738
L. F. VERISSIMO


Ó, Dilma!

Deixa ver se eu entendi. Querem liberar a maconha e proibir a pesquisa histórica, mesmo para fins terapêuticos. É isso? Nacionalizar a maconha e privatizar o passado? Uma coisa não teria nada a ver com a outra se a atitude comum do brasileiro em relação à sua história não se parecesse com a letargia e a despreocupação que – dizem, eu nunca provei – caracteriza o barato da maconha.

Agora mesmo, pode-se imaginar que muita gente marchará pelo direito de fumar maconha sem culpa, no que estará com toda a razão, mas não se prevê nenhuma grande manifestação popular contra a proposta de proibir para sempre o acesso a certos documentos históricos, com faixas dizendo “Queremos saber tudo sobre a Guerra do Paraguai”. E, no entanto, o direito de conhecer o passado sem restrição deveria ser tão natural quanto o direito a um baseado descriminalizado.

Não bastassem os militares sentados em cima dos dados e das dúvidas sobre o período da repressão, vem essa ideia do segredo eterno para sonegar ainda mais à nação sua própria biografia. O objetivo é concluir que o passado não existiu e não se fala mais nisso. A presidente, dizem, aceitou a ideia do Sarney e do Collor, logo do Sarney e do Collor, contrariando o que deveria ser o seu instinto. Ó, Dilma!

Alma brasileira

No recém-lançado CD Alma Lírica Brasileira, a cantora Mônica Salmaso não é acompanhada por Nelson Ayres no piano e Teco Cardoso em vários sopros. Canto e acompanhamento não é bem o que eles fazem.

Os três mesclam seus instrumentos – a voz límpida da Mônica, certamente a nossa melhor cantora, o piano do Ayres e as flautas e os sax do Cardoso – e o que se ouve é a colaboração de três músicos excepcionais entremeando-se e completando-se de uma maneira, que eu saiba, inédita.

O lirismo dominante não exclui coisas como Samba Erudito, do Paulo Vanzolini, e A História de Lili Braun, do Chico e do Edu, e, quando é preciso um terecoteco, a própria Mônica empunha um tamborim ou uma frigideira, mas lá estão uma definitiva Derradeira Primavera, de Tom e Vinicius, e a inevitável Melodia Sentimental, do Villa-Lobos, talvez uma suma da alma brasileira.

Extraordinário também é o uso que Teco Cardoso faz do sax-barítono, um instrumento que até agora pouco frequentava a música brasileira. Imagine um lamentoso Trem das Onze, do Adoniran Barbosa, com o sax barítono fazendo o contraponto e você terá uma ideia dos raros prazeres deste disco.

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