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quarta-feira, 15 de junho de 2011
15 de junho de 2011 | N° 16730
JOSÉ PEDRO GOULART
Os teus olhos
De modo que eu vinha andando na rua, tropecei e quando vi minhas certezas se espalharam pelo chão. Em viagem, somos dados a definições definitivas, cada fotografia é uma tese; cada experiência esconde uma verdade sobre o mundo. Se você está em Nova York, como eu estive semana passada então, isso tudo fica ainda mais radical.
Por isso no MoMA refleti sobre a expressão “são os teus olhos”. Alguém faz um elogio e o outro responde: “são os teus olhos”. Quer dizer que nada é para tanto, ou tudo é para muito – só depende de como se vê.
No meu caso, descobri um certo enfado no meu olhar; lamento (por mim) mas de alguma forma aquela bela quantidade de Picassos, Van Goghs, Renoirs, ficaram no século passado. Qualquer hora volta o desejo, eu sei, mas por hora cansei dos clássicos.
Rumo ao Metropolitan para a exposição do Alexander McQueen. Incrustada no segundo andar daquele monumental depósito do que de melhor o ser humano produziu até aqui, o britânico estilista comprova que cada época tem sua expressão criativa. A dele é a dos vestidos vaporosos, sapatos histriônicos; nada que alguém possa usar em público.
A beleza só não basta – a moda de McQueen é bela e fluida e convive bem com a arte de outros naipes: sarcófagos egípcios, esculturas do Rodin – mas isso talvez não fosse suficiente caso não houvesse manequins com sangue, os vestidos de penas, o kitsch desbragado, inerente ao exagero de certas vestimentas.
Tudo isso radicalizado por um suicídio no ano passado. Talento, transgressão, tragédia – ingredientes necessários para que as coisas, num século em que já nascem velhas, estacionarem nobremente num museu.
É verão, a cidade arde e o fedor de fritura se espalha com o vento sul. Aliás, a notícia é que Chinatown está avançando sobre (e engolindo) Little Italy. A considerar o cheiro, é só uma questão de tempo para o Central Park. Com a cidade fervendo, uma boa ideia talvez seja uma ida até o Park Avenue Armory para uma sessão de harmonização.
Você paga uns 10 pilas e entra numa viagem sincronizada de luz e som. A tela enorme funciona no lado A e no lado B. Ryoji Ikeda é o artista instalador, e o nome da instalação é the transfinite, assim, em minúsculas, porque menos é menos. Mais eu não posso informar: relaxei.
Devia ter ficado por lá, fui burro e voltei, e ainda por cima de avião. Saí de Nova York uma da tarde de quinta e cheguei cinco da tarde de sábado. Considerando que a distância entre POA e NYC é de 8.190 Km, se eu tivesse vindo de carro a uns 160 por hora teria chegado no mesmo horário. Perdi minha harmonização.
Sobraram lembranças borradas com as cinzas vulcânicas na chegada e cada vez menos certezas sobre o que “os meus olhos” veem de fato.
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