sábado, 11 de junho de 2011



11 de junho de 2011 | N° 16726
CLÁUDIA LAITANO


Realpolitik

Em entrevista coletiva concedida terça-feira na sede da OAB em São Paulo, a advogada iraniana, exilada em Londres, Shirin Ebadi, Prêmio Nobel da Paz em 2003 e ativista dos direitos humanos, fez um único pedido aos brasileiros: “Ajudem-nos a libertar nossos presos políticos”.

Exibindo a foto da advogada Nasrin Soutudeh, condenada a 11 anos de prisão por defender presos políticos iranianos, Shirin Ebadi lembrava uma mãe da Praça de Maio – indignada, determinada, incansável.

Seu apelo diante de advogados e jornalistas de um país periférico do outro lado do mundo pode parecer inócuo, água mole batendo em pedra dura, mas a história já mostrou do que são capazes essas vozes solitárias e inabaláveis.

Pois seria necessária uma fé igualmente inabalável (e cega) na chamada “realpolitik” para aceitar com tranquilidade a decisão da presidente Dilma Rousseff de não receber Ebadi em Brasília na última quinta-feira. “Realpolitik”, vocês sabem, é aquele termo alemão usado para qualificar casos de pragmatismo político ou diplomático extremos, quando os fins justificam os meios e o “fazer o que tem que ser feito” é um valor absoluto, acima de todos os outros.

Os fins, neste episódio, são as relações com o Irã, que, na avaliação presumível do governo brasileiro, poderiam ficar abaladas se a presidente recebesse a mais eloquente adversária do regime do presidente Ahmadinejad. Ebadi, por sua vez, declinou polidamente do encontro tapa-buraco com Marco Aurélio Garcia, assessor da presidência para assuntos internacionais.

A advogada iraniana quis encontrar Dilma pessoalmente para agradecer por ela ter se manifestado, ainda como presidente eleita, contra a execução de Sakineh Ashtiani. A posição firme de Dilma no caso e o fato de o Brasil estar sendo governado por uma mulher – não por acaso, também uma ex-presa política – devem ter despertado em Ebadi a expectativa de que seria acolhida com atenção especial pela presidente.

(Não preciso contar aqui o que fazem com as mulheres no Irã, não é?) A “realpolitik”, no entanto, falou mais alto do que a biografia ou o gênero.

Aqui em Porto Alegre, separada por uma nuvem de cinzas vulcânicas de Brasília, fiquei imaginando o constrangimento íntimo de todas as pessoas bem-intencionadas que fazem parte do governo (a presidente, inclusive) e que, em algum momento, defenderam a dignidade humana e a liberdade. Coube à ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, a ingrata tarefa de tentar amenizar o mal-estar do episódio enviando a Shirin Ebadi uma carta gentil e respeitosa:

“Aproveito para manifestar o perene compromisso do Estado brasileiro com a defesa e a proteção da vida humana e a contrariedade às penas de morte cruéis ou degradantes”, escreveu. “Nesta batalha por um mundo mais justo”, continua a carta, “sem sombra de dúvida, a senhora, a presidenta Dilma Rousseff e o Estado brasileiro se encontram no mesmo lado, no lado dos direitos humanos”.

Na “realpolitik” para um mundo mais justo , sejamos pragmáticos: quando a vida e a liberdade dos outros estão em jogo, “estar do mesmo lado” simplesmente não é (não foi) suficiente.

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