quinta-feira, 2 de dezembro de 2010


*Mauren Motta

02 de dezembro de 2010 | N° 16537
ARTIGOS


Passista da vida

Agner dos Santos era como a letra de um samba: intenso, melódico, sensual, pulsante, com altos e baixos e sempre, sempre mesmo, muito alegre. Ele era festa, casa cheia, inspiração. Por um descuido, na semana passada, nos deixou sem dar muita explicação.

Voou alto, sozinho no meio da avenida como um destaque de escola. Foi tudo tão rápido quanto a batida da bateria em dia de desfile. Mirou certeiro para os holofotes do céu. Teve um final apoteótico. Virou notícia de jornal. Quem poderia acreditar? Como tanta música poderia cessar?

Nós, amigos que tanto o amávamos, perdemos o ritmo, o compasso, o passo. Enquanto tentávamos em vão entender a perda e calar a dor, lembrávamos dos momentos felizes que passamos ao lado dele. Enquanto esteve por aqui, Agner foi luz.

Ao partir, levou com ele o enredo de uma história barulhenta e feliz. Exímio passista, ele era mestre-sala de seus sonhos. Sonhos estes que injustamente foram interrompidos com tanto impacto quanto o de um carro abre-alas na avenida. Agner levantava a torcida. Suas apresentações eram memoráveis, glamorosas.

Também pudera: os tecidos, as plumas, os brilhos e as linhas faziam parte de seu dia a dia. Profissionalmente, foi na moda que encontrou seu destino. Na cenografia achou seu dom. Talentoso, com um bom gosto inexplicável, era autodidata. Tinha a capacidade de harmonizar cores, formas e texturas como ninguém. Amava o que fazia, mas também gostava quando não tinha nada para fazer.

Permitia-se. Fugia, sumia, vivia. Tinha rompantes que deixavam as pessoas que viviam e trabalhavam com ele enlouquecidas e ao mesmo tempo apaixonadas. Era malandro. Sabia envolver e agradar. Mesmo os mais resistentes, ele conseguia convencer. A explicação? Ele tinha a alma leve e livre. Transbordava amor e generosidade.

Não era assim à toa. Menino de família simples, pai marceneiro, mãe dona de casa, desde pequeninho já ajudava a família. Paleteava, como gostava de contar. Foi numa loja de tecidos, pequenina, no centro de Porto Alegre, que como vendedor ele deu seus primeiros passos fashionistas. Depois de lá, foi galgando diferentes empregos até se consagrar como programador visual de lojas de luxo.

Ironicamente, um dia antes de morrer, se fantasiou de verdade. De super-herói, distribuiu presentes e alegria entre seus colegas de trabalho. A festa de final de ano, a caráter, serviu como palco para uma de suas últimas aparições.

Ah, se soubéssemos que seria assim, tão de repente, teríamos antecipado os planos que ele tinha para a festa de aniversário que seria comemorado hoje. Agner queria os amigos reunidos, em volta de uma roda de samba de raiz, num restaurante sofisticado, cantando e dançando. O terno branco, de linho, já estava passado. Era detalhista.

Como o show não pode parar, preferimos imaginar que ele já deva ter arrumado uma nova turma no primeiro grupo do céu para a celebração. Isso não diminui a nossa dor, mas ao menos justifica um pouco o que não tem explicação. Que fique em paz. Não! Que fique pulsante como sempre foi. Na batida do samba, sem perder a harmonia em um eterno Carnaval.
*Jornalista

Uma gostosa quinta-feira para vc

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