domingo, 26 de dezembro de 2010



26 de dezembro de 2010 | N° 16561
MOACYR SCLIAR


Reinventar-se

Mexer um pouco com nós mesmos pode ser um grande começo de ano, um grande recomeço de vida

Falando do arquiteto Oscar Niemeyer, que quase aos 103 anos resolveu tornar-se compositor e escreveu um samba (verdade que não muito bom), disse um jornal que o grande brasileiro acabava de se reinventar. Reinventar-se: esta é uma palavra que, em 2010, ganhou em destaque em nosso vocabulário.

Explicável: nunca antes na história deste país tantas mudanças aconteceram, a começar pela emergência de uma classe média formada por pessoas que, confrontadas com novas situações, precisam, justamente, se reinventar. E o que significa isso?


Em primeiro lugar, é preciso dizer que há uma diferença entre inventar e descobrir. Descobrir é achar uma coisa que já estava ali, aparentemente coberta ou oculta. Colombo descobriu a América, mas a América existia, ainda que não com esse nome, era habitada por muitos povos – só que os europeus não sabiam disso, e glorificaram essa ignorância com a palavra descoberta que, não sem boas razões, tem sido contestada, como de resto a descoberta do Brasil.

Inventar é outra coisa. Inventar é criar algo que não existia, um dispositivo, uma máquina, uma substância química. Inventar exige conhecimento, exige criatividade, exige imaginação; escritores são, de certa forma, inventores; eles fazem surgir personagens e situações que não existiam.

A invenção pode ter contornos sombrios, como a guilhotina (bolada por um médico, o Dr. Guillotin) e as câmaras de gás dos campos de concentração. Mas em geral inventores são objeto de nossa admiração, e o Nobel é um testemunho disso.


Já reinventar é um termo que tem conotação irônica, debochada: quando dizemos que Fulano reinventou a roda estamos fazendo uma gozação. Mas a partícula apassivadora “se” dá ao verbo um outro, e revolucionário, sentido; o termo, por assim dizer, se reinventa.

Reinventar-se significa deixar para trás o nosso passado, significa transformar nossa vida (nem que seja em pequenos detalhes) e isso pode ser um antídoto decisivo contra o marasmo, contra o desânimo, contra a apatia. De repente, somos outra pessoa.

Um choque? É. Um choque. Mas um choque benéfico.

Reinventar-se: eis aí um bom lema para o ano que se aproxima. Reinventar-se como profissional, como cônjuge, como pai ou mãe ou filho ou filha, reinventar-se como amigo, reinventar-se como cidadão ou cidadã, reinventar-se como pessoa.

Num mundo em que a invenção é um acontecimento contínuo, em que as mudanças se sucedem de maneira vertiginosa, mexer um pouco com nós mesmos pode ser algo muito bom, um grande começo de ano, um grande recomeço de vida.

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