sábado, 11 de dezembro de 2010



12 de dezembro de 2010 | N° 16547
VERISSIMO


Indo e vindo

Há anos procuramos uma besta mitológica, o motorista de táxi mal-humorado de Paris

Procurávamos um lugar na Toscana cujo nome eu esqueci. Paramos para pedir direções a um velho na beira da estrada. Ele curvou-se para ouvir nossa pergunta e, quando eu disse o que procurava, aprumou-se e fez um gesto largo na direção de uma cidade no topo de um morro, à nossa frente.

– Ecola! – disse.

Era como se anunciasse a entrada de uma diva em cena.

Há anos que procuramos uma besta mitológica, o motorista de táxi mal-humorado de Paris. Já ouvimos muitas histórias de horror a seu respeito – seu emburramento, sua impaciência com estrangeiros, sua estupidez congênita – mas nunca o encontramos. Cada vez que pegamos um táxi em Paris é com a expectativa de que, este sim, vai ser um monstro. Ainda não aconteceu.

O motorista é sempre cortês, quase sempre até simpático. Mas não abandonamos a busca. Ele tem que existir. Em Nova York, todos os motoristas de táxi estão sempre falando no seu telefone celular. Todos, o tempo todo. Só o que varia é a língua em que falam. Algumas são reconhecíveis, outras não. Nenhuma é o inglês.


Falando em motoristas. Fizemos um tour na Cidade do México de automóvel com um motorista guia e três velhinhas americanas. O guia era um típico índio mexicano e conquistou as velhinhas de saída. Disse que seu nome era Raul Cordero de Dios que Quita los Pecados del Mundo, sabendo que os nomes compridos dos latino-americanos sempre divertiram muito os americanos. E depois anunciou:

– Sou o segundo melhor guia do México. – Quem é o primeiro? – quis saber uma das velhinhas.

– Morreu na semana passada. – Wonderful! – disseram as velhinhas.


Há alguns anos, em Nova York, não me deixaram entrar num restaurante francês só porque a jaqueta que eu estava vestindo, de tão velha e usada, rangia cada vez que dobrava o braço. O maitre que nos barrou a entrada chegou a segurar a gola da jaqueta entre o polegar e o indicador e, num tom conciliador, perguntar: “Você não tem outro casaco, não?”. Pensei em responder: “Tenho sim, mas este eu não dou, não insista” – mas só pensei isso a algumas quadras de distância.

A primeira coisa que fiz ao voltar a Nova York algum tempo depois foi ir de novo ao tal restaurante, o Clos Normand. Mas de terno novo, gravata e aquele ar superior de quem usa maitre francês para limpar os sapatos. O maitre (era o mesmo) nem ousou me olhar nos olhos, quanto mais examinar minha roupa.

Nos levou para uma ótima mesa, onde eu resisti à tentação de esfregar os talheres com a ponta da gravata, com cara de nojo, para desagravar minha jaqueta. Que, por sinal, eu ainda uso quando quero ficar sozinho. Em tempo: o Clos Normand não existe mais. Eu ainda estou aqui. Melhor dizendo: ali-ali.


Ir a Londres e não comer roast beef era como ir a Roma e não comer o papa. O que eu estou dizendo?! E não comer fettuccini. Escolhemos o mais tradicional rosbife da cidade, o do Simpson’s on the Strand. O lugar estava, literalmente, caindo aos pedaços. Um pedaço da cadeira saiu na minha mão quando eu a puxei para sentar. Os garçons, certamente veteranos de muitas guerras coloniais, ostentavam velhas manchas nos seus casacos brancos como emblemas de respeitabilidade.

O que nos servia não tinha dentes, a comunicação era difícil, mas como quem vai ao Simpson’s só pode querer rosbife limitamos nosso diálogo a duas palavras e o nome do vinho.

Os carrinhos com grandes domos prateados transportando os troncos de rosbife cruzavam-se cerimoniosamente no imenso salão como barcaças festivas no Tamisa. E eu esperava que a qualquer momento entrasse alguém com a notícia da morte do Rei Eduardo.

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