segunda-feira, 20 de dezembro de 2010



20 de dezembro de 2010 | N° 16555
L. F. VERISSIMO


Ah, o “Charuto”

O Internacional de Porto Alegre tinha um torcedor chamado “Charuto”. Era um negro de idade indefinida que fazia parte do folclore do clube, tanto que o deixavam entrar no estádio sem pagar.

E quando o Inter jogava em outro estádio, não faltavam torcedores dispostos a pagar sua entrada. O “Charuto” estava invariavelmente bêbado. E não via o jogo. Ficava de costas para o campo, fazendo um interminável discurso para a torcida, no qual a única palavra inteligível era “Coroau”, a sua maneira de dizer “colorado”.

Eu, garoto, era fascinado por aquela figura de colorado em estado puro. Ele também fazia uma paródia inconsciente de empolação vazia e retórica que não significava nada, mas isso, na época, eu não saberia identificar. Para mim, ele era apenas parte integral da nossa torcida. Onde estivesse o “Coroau”, lá estava o “Charuto”.

Muitos anos mais tarde, entrevistando o centroavante Claudiomiro, este me surpreendeu com a revelação de que não gostava muito de futebol. Jogava, se envolvia, mas, fora isso, simplesmente não acompanhava o esporte.

Me lembrei do “Charuto”, que nunca olhava para o campo, provavelmente nem sabia quem era o adversário do Inter e dificilmente lia jornal ou ouvia rádio para saber dos campeonatos e das campanhas do seu time. Sua paixão pelo Internacional independia de qualquer entorno – o Internacional era, para ele, para todos os efeitos, uma abstração. O objeto de um amor perene e incondicional. Ganhasse ou perdesse.

Ser um torcedor como era o “Charuto” nos livraria do sofrimento como o de terça em Abu Dhabi. Amar apenas a ideia do Internacional e esquecer os detalhes seria uma bênção.

Mas estamos nesta enrascada emocional: não podemos abandonar nossa paixão, que é irracional, e ao mesmo tempo não podemos deixar de ter raiva do time que nos aprontou esta. Claro, a raiva passa, o amor continua. Nenhum torcedor do mundo – salvo, talvez, hoje, o do Barcelona – está livre destas oscilações. Mas que foi duro ver o goleiro do Mazembe fazer aquela sua dança sentada, sem pensar em assassinato, foi.

Vi o Barcelona ganhar de 5 a zero da Real Sociedad, há dias. Não faz muito, tinham goleado o Real Madri pelo mesmo escore. Como se sabe, o Barcelona é a seleção espanhola, campeã do mundo, reforçada pelo Messi. Para desilusão, enfaro com o futebol, vontade de se dedicar ao handball ou desencanto generalizado com a vida, recomenda-se ver o Barcelona jogar. Se possível, várias vezes por dia.

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