quarta-feira, 15 de dezembro de 2010



15 de dezembro de 2010 | N° 16550
JOSÉ PEDRO GOULART


A minhoca e os peixes

Ninguém fica realmente preocupado com o fracasso da gente, exceto – talvez – nossa mãe. De maneira que quando rodei em todas cadeiras da Geologia na Unisinos (isso na era paleozoica da minha vida), por dois semestres consecutivos, cheguei a considerar que o poço não tinha fundo, mas se tivesse certamente teria um alçapão para eu cair mais um pouco. Com 18/19 anos, somos prenhes de pensamentos apocalípticos. (Depois piora, mas aí já é outra crônica.)

O fracasso na Geologia me empurrou para o Jornalismo. Isso com a autoestima equivalente à de uma minhoca enroscada num anzol enquanto o seu peixe não vem. Até que aconteceu um pequeno fato, mas de grande importância pra mim.

Havia um professor, o Araújo (grande figura), que logo nos primeiros dias resolveu ler como destaque para toda a turma uma prova que fiz na aula dele. A leitura completamente inesperada daquela prova naquele momento da minha vida me fez escapar do anzol.

Um pouco depois, outro evento seria ainda mais transformador. Uma turma de gurias que não se depilavam debaixo dos braços (sim, eram hippies) e uns caras que eu invejava até as entranhas por estarem perto dessas gurias. Era o grupo Ven de-sê Sonhos, que vinha lotando a Sala Álvaro Moreira com o peça School’s Out.

Meu testemunho sobre o que eu vi ainda me emociona. E o que vi? Eu vi que não havia empecilhos. Se eles podiam, quem sabe eu não poderia? Isto é, um pessoal da minha geração falava de coisas instaladas nas profundezas do meu coração (oba, rimou). Falavam de sexo, de família e de uma certa forma do peixe e da minhoca – essa briga que todos temos entre o fracasso e angústia sobre ele.

E acima de tudo aquele pessoal estava ali na “minha frente”. Não era um filme americano sobre juventude americana. Era uma peça porto-alegrense sobre semelhantes. Eu podia me imaginar “sendo” o Pedro Santos. Eu podia sonhar que namorava a Márcia do Canto (desculpe, Nico, só um sonho). Eles viviam na minha cidade, comiam bauru no Trianon e também achavam que a Era de Aquário ia mudar tudo. Pô, gente como a gente.

Pois bem, o School’s Out acaba de fazer 30 anos. E eu queria dizer obrigado ao grupo Ven de-sê Sonhos. Angel, Cleide, Deborah, Márcia do Canto, Marco Sorio, Martinha, Perrenoud, Pedro Santos, Rosa, Soraia e Xala – e ao Breda, Marcel, Mônaco: uns antes, outros depois. E outros tantos do backstage. Vocês foram meus heróis, e ainda por cima andavam em cardume: era uma boa ideia essa, para deixar de ser uma minhoca solitária.

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