quarta-feira, 22 de dezembro de 2010



22 de dezembro de 2010
| N° 16557 - PAULO SANT’ANA | MÁRIO MARCOS DE SOUZA (INTERINO)


Marionetes

Um dia, ao examinar as informações e documentos reunidos para seu novo livro, o economista e escritor argentino Walter Graziano concluiu que precisava de ajuda. Decidiu então convocar estudantes, especialmente os de História e da área de humanidades para uma série de entrevistas de seleção.

Uma das primeiras pessoas a atender ao chamado foi uma garota recém graduada, bem recomendada. Depois de alguns minutos de conversa, Graziano passou a ela parte das informações que reunira – e esperou pela reação.

Aos poucos, a historiadora ficou vermelha, mexeu-se na cadeira, não conseguiu controlar a inquietação, tentou resistir com a ideia aprendida na academia de que a História precisa de um tempo de maturação antes de ser contada. O autor apresentou então novas informações e, como se fosse mais um golpe preciso, a jovem pesquisadora ficou pálida e resignou-se:

– Se isso é verdade, já não sei o que pensar.

Os documentos examinados em primeira mão por ela naquela conversa deram base para Hitler Ganhou a Guerra, um dos livros mais perturbadores que já li. Qualquer leitor que passar pelas 200 páginas da obra vai se sentir assim. Ao chegar à última página da leitura, o leitor perceberá claramente que há dois mundos bem definidos.

Há o real, este em que vivemos, no qual somos donos do nosso próprio destino. E há o mundo subterrâneo – aquele cujas portas foram escancaradas nos últimos meses pelo site WikiLeaks, de Julian Assange.

É o mundo formado por longos corredores por onde se movem grandes corporações, magnatas donos das chaves dos cofres, multinacionais, agências de espionagem, governos e serviços diplomáticos. No mundo real, temos o chamado livre-arbítrio. No subterrâneo, somos meras marionetes. Nada do que façamos na superfície vai alterar os rumos dos porões – a máquina se move por diferentes colorações de hipocrisia.

Graziano começa a perturbar já pela provocação do título. Hitler ganhou, segundo ele, porque muitos dos que o apoiaram, deram sustentação para suas loucuras e financiaram o regime nazista, trocaram de lado em meio à guerra, quando o amigo de antes virou um incômodo, mas seguiram no controle do mundo subterrâneo.

De um jeito ou de outro, são os que sempre lucram, na paz ou na guerra. Mandam nos dois lados. No fundo, são os mesmos (ou seus representantes) que agora manipulam empresas poderosas para sufocar o WikiLeaks.

Apesar de já ter mais de cinco anos, a obra de Walter Graziano – um livro imperdível – ganhou atualidade com a série de documentos secretos revelados nos últimos meses. É o mesmo mundo, antes e agora.

A diferença é que desta vez, para incredulidade de acadêmicos como os que assessoraram Graziano, a História começa a ser escrita no mesmo momento em que os fatos acontecem. Não é mais necessário o tempo de distanciamento.

Este mundo seria muito mais assustador se nele não houvesse gente como o argentino Graziano e o australiano Assange. Sempre que um deles surge perturbando os poderosos, sinto-me confortável e seguro, como se eles fossem guardiões.

Durmo em paz. São eles que insistem em revelar os mapas dos subterrâneos, desmascarar os que se movem de acordo com sua própria conveniência e romper os cordéis para libertar as marionetes. São os que melhoram o mundo.

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