sábado, 18 de dezembro de 2010



18 de dezembro de 2010 | N° 16553
CLÁUDIA LAITANO


Casal 20

O que o Tiririca e a Sarah Palin têm em comum? Pra começar, ambos têm mais ou menos a mesma idade, embora o Tiririca (1965) pareça um pouco mais maltratado que a ex-governadora do Alasca (1964), que ainda bate um bolão para quem se amarra no visual “os anos 60 não existiram, e eu me visto exatamente como a minha tia Adelaide”. No caso do Tiririca, não é de se estranhar que o tempo tenha sido cruel ali onde a natureza já não foi muito generosa.

O palhaço, campeão de votos nas últimas eleições, nasceu em Itapipoca, no interior do Ceará, e começou a trabalhar aos oito anos. O que sobrou em sol, faltou em escola – arranjo ainda muito comum na parte do Brasil onde ele nasceu. Já na minúscula Skagway, Alasca, onde Sarah Palin passou parte da infância, trabalho infantil e sol forte é coisa que não se vê todos os dias.

Que mais? Bom, ambos têm inegável talento para a comunicação com as massas – o que, em muitos casos, é o único requisito indispensável para quem pretende tentar a sorte na política. O primeiro CD de Tiririca, aquele que tinha Florentina e Veja os Cabelo Dela, que rendeu ao cantor um processo por racismo, vendeu mais de 1,5 milhão de cópias – quase o mesmo número de votos que o palhaço recebeu em São Paulo este ano.

Não consta que Sarah Palin saiba cantar, mas depois de chamar a atenção como a candidata republicana à vice-presidência meio sem-noção das eleições de 2008, ganhou um programa na TV, Sarah Palin’s Alaska, em que exercita seu talento para o humor involuntário ao mesmo tempo em que inventa um jornalismo de extrema-direita mezzo Luciana Gimenez, mezzo Amaral Neto Repórter (desculpe, crianças, pela referência antediluviana).

Talvez o maior ponto em comum entre esses dois fenômenos da política recente não esteja tanto na convergência ideológica (ainda é difícil imaginar que temas públicos deixarão o futuro deputado tão empolgado quanto o aumento de salário anunciado no Congresso esta semana), mas na fama de analfabetos que ambos desfrutam. Claro que há analfabetos e analfabetos, e aqui a diferença entre um e outro reflete não apenas as chances que tiveram, mas as escolhas que cada um fez ao longo da vida.

Tiririca não estudou na infância, mas poderia ter corrido atrás do prejuízo quando a grana começou a pintar – esforço que parece não ter sido prioridade até ele correr o risco de perder a boquinha que descolou nas eleições.

Já Sarah Palin estudou em bons colégios, mas isso não a salvou daquele analfabetismo do tipo Ofélia (outra referência antediluviana...) de quem só fala quando tem certeza – mesmo quando essa certeza não quer dizer muita coisa. (A propósito: a palavra do ano de 2010, escolhida pelo Dicionário Oxford, foi o neologismo “refudiar”, híbrido de “refutar” e “repudiar”, que ela popularizou no Twitter, conclamando os americanos a “refudiar” a mesquita que seria instalada nas vizinhanças do Ground Zero.)

Sarah Palin e Tiririca podem parecer cômicos para quem acredita que eles não passam de acidentes de percurso da democracia – embora pelo menos um desses acidentes corra o sério risco de se transformar no próximo presidente do seu país. Infelizmente, eles não são apenas folclóricos, mas o retrato constrangedor do lado mais atrasado dos países que representam.

Nenhum comentário: