quarta-feira, 29 de dezembro de 2010



29 de dezembro de 2010 | N° 16564
DAVID COIMBRA

O livro que escrevi e o livro que não escrevi

Lembro de minúcias daquela tarde fria do começo dos anos 90. Cheguei à redação em que trabalhava e colhi da mesa do editor-chefe o exemplar do dia de Zero Hora. Com o peso do corpo apoiado em um só pé, passei a folhear o jornal, meio distraído, até pechar em uma notícia pequena, numa esquina escura da página: o prefeito de Erechim, Antônio Dexheimer, havia desistido de escrever um livro sobre sua participação no Caso Daudt.

Levei 30 segundos para decidir o que fazer. Fechei o jornal, olhei para o editor e anunciei meu pedido de demissão. Enquanto ele perguntava se eu havia enlouquecido, levantei o telefone e liguei para a prefeitura de Erechim. O prefeito, por favor. Quando Dexheimer atendeu, avisei:

– Estou indo para aí amanhã. Vou te entrevistar para escrever o livro do Caso Daudt.

Ele queria pensar, queria conversar. Não deixei:

– Chego amanhã.

De fato, 24 horas depois, entrevistava-o no sofá da sala de seu apartamento. Nos 40 dias que se seguiram, entrevistei outros envolvidos no caso, li as 3.413 páginas do processo e TODAS as notícias publicadas a respeito entre 1988 e 1990, assisti duas vezes à gravação das 42 horas do julgamento de Dexheimer e escrevi uma média de 20 páginas por dia em minha pequena porém brava Olivetti Lettera 35, de metal, com o rolo da fita estragado.

Estava obcecado com aquele trabalho. Não fazia outra coisa de manhã, de tarde ou de noite. Escrevia, escrevia e tomava leite condensado direto da lata. Engordei cinco quilos. Mas gostei do resultado. Do livro, não da minha forma física.

Esse foi o livro que escrevi.

O livro que não escrevi já tinha até título: “O Caso Lia Pires”. Concebi-o durante as entrevistas que fiz com o próprio, que, todos sabem, foi o advogado de Dexheimer no julgamento que o absolveu das acusações pelo assassinado de Daudt.

Havia conversado com Lia Pires em sua mansão na Dom Pedro II e em seu escritório no centro da cidade. Falou-me sobre o Caso Daudt, sim, mas também sobre dezenas de outros casos, alguns curiosos, outros tétricos, todos interessantes. Terminado o trabalho com Dexheimer, tornei a procurar Lia Pires e lhe propus o livro. Seria um relato sobre seus júris mais palpitantes. Uns 20, nada mais do que isso. Pareceu gostar da ideia, mas pediu tempo para pensar.

Fiquei de procurá-lo em outra ocasião. Como não marcamos data, fui adiando o encontro. Então, as coisas foram acontecendo (as coisas acontecem), o tempo foi passando (o tempo passa) e esqueci do “Caso Lia Pires”. Com a morte do velho lobo dos tribunais, dias atrás, lembrei daquele livro. O livro que não escrevi.

O livro que perdi

Audrey Hepburn era bem magrinha. Aqueles seus bracinhos quebradiços, aquelas suas perninhas de gazela. Mas era sensual, que há magrinhas sensuais. Havia toda uma malícia em sua fragilidade. E também impertinência. Quando soube que o diretor John Frankenheimer preferia Marilyn Monroe para estrelar “Bonequinha de Luxo”, ergueu as sobrancelhas como se fossem duas pequenas gaivotas no voo e desdenhou:

– Quem é Frankenheimer?

Exigiu outro diretor para o filme. Foi atendida. Os produtores escolheram Blake Edwards. Que morreu não faz muito, ainda em dezembro, antes de Lia Pires. Ao ler sobre sua morte, fui procurar o meu exemplar do livro que deu origem ao filme. “Bonequinha de Luxo” é o melhor de Truman Capote, ainda que sua obra mais famosa seja “A Sangue Frio”.

Pelo estilo, pelas frases requintadas, por suas soluções, “Bonequinha de Luxo” me ensinou algo. Ou pelo menos espero que tenha aprendido. Fui catá-lo nas minhas estantes, decidido à releitura. Não o encontrei. Mais uma perda no fim do ano.

O livro que li

A cada 15 dias é publicado um novo livro sobre futebol. Passa-se um ano e não é publicado um único bom livro sobre futebol. Com luminosas exceções, como o de Marcelo Ferla, “Os dez mais do Grêmio”, lançado esse mês. Ferla realizou uma eleição para escolher os dez maiores jogadores do Grêmio.

Fui um dos eleitores. Votei nos seguintes: Lara, Gessy, Renato, Aírton, Alcindo, Foguinho, Luiz Carvalho, Ronaldinho, Éder e Danrlei. Elegi os sete primeiros. Os outros escolhidos foram De León, Everaldo e Valdo.

Mas Ronaldinho tinha votos em quantidade suficiente para ser escolhido, tantos quanto receberam Foguinho, Everaldo e De León. O Ferla suprimiu-o da lista por “critérios próprios”.

Como se vê, não é tão pacífica a volta do irmão de Assis.

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