terça-feira, 28 de dezembro de 2010



28 de dezembro de 2010 | N° 16563
PAULO SANT’ANA | LÉO GERCHMANN - INTERINO


Pelos anjos da Recoleta

Na onda do WikiLeaks, vou cometer uma inconfidência que deixará muito marmanjo desconfortável: todos os homens que vão a Buenos Aires se encantam com a beleza das portenhas, loiras, morenas, castanhas, altas, baixas, tez mais clara ou escura, quase que invariavelmente lindas, curvilíneas, pele suave e pernas torneadas.

Sim, são coisas que em geral só se comentam entre homens, como os diplomatas também têm por hábito comentar lá suas percepções top secret. Mas assumo aqui meu lado Julian Assange e revelo essa surpreendente informação capaz de incendiar o Clube do Bolinha e suas hipocrisias.

Pois você, que agora mesmo se apressa em esconder este jornal da sua mulher para depois se queixar com ela de que o entregador, aquele folgado, esqueceu-se de trazê-lo, saiba que também eu, em nome da transparência, poderia correr o risco de ser cobrado pela minha mulher.

– Tu reparas nas mulheres em geral?! Bem que eu desconfiava!

Confesso que sim, reparo. Por uma questão de pura e inocente estética.

Só que a Dione, minha mulher, não faria essa cobrança. Até porque não precisa do WikiLeaks para saber o que penso: que a beleza da vida está no rosto das crianças, na conquista de um filho, no gol do meu time, em um texto bem escrito, no mar, na mesa de um café colonial generoso em suas geleias, queijos e sucos, na melodia de Let it Be, nas curvas de uma mulher linda...

Enfim, beleza é o que não falta na vida.

Feito o preâmbulo, segue uma informação de altíssimo interesse público: o bairro mais sofisticado de Buenos Aires, a Recoleta, dá fundamentos científicos a quem jura que vê por lá mulheres das mais maravilhosas que há no mundo. São só 7,3 homens para cada 10 mulheres, sendo grande parte delas lindas! O paraíso, com seus anjos, fica aqui ao lado! Os dados são fresquinhos. Vêm do último censo argentino, cujos resultados saíram faz poucos dias. Ocupei-me de esquadrinhá-lo e cheguei a essa constatação elucidativa.

E foi lá, em um dos tantos cafés charmosos da Recoleta, que certa vez ouvi um diálogo entabulado entre duas beldades que recém haviam visitado Porto Alegre. Como Julian Assange e suas inconfidências, relato aqui o que escutei, algo tão surpreendente quanto o desgaste do governo brasileiro ao fazer vista grossa para o fascismo iraniano.

– Sabe que eu estive na Bienal do Mercosul, Ana?

– Ah, Paula, Porto Alegre é uma bela cidade. Parece Montevidéu. Certa vez, comi um peixe maravilhoso no mercado central.

– Também acho. Mas não gostei de uma coisa: aluguei um carro e percebi que as pessoas, tão solícitas no trato pessoal, transformam-se no trânsito. Uns correm como se estivessem competindo. Esquecem-se de que a educação nos orienta a respeitar filas. Outros falam ao celular ou se penteiam ou fumam distraidamente, trancando o fluxo de quem está apressado, como se estivessem sozinhos na sala de sua casa.

– Ai, ai, parece um “tô nem aí” generalizado! Parece a gente nos anos 1990, na época do Menem, do câmbio maquiado, quando nos encharcávamos de champanha, nos empanturrávamos de pizza e nem aí pro resto. Era a fase do “cada um com seus problemas”, do individualismo como filosofia de vida e da solidariedade como valor obsoleto. Nem parecia que éramos nós, sempre tão cultos e educados.

– É, só percebi isso, lá em Porto Alegre, no trânsito. Que pena! Uma cidade tão boa, de gente tão acolhedora... Ficam irreconhecíveis ao volante de seus carros.

Depois de tanta informação relevante contida nesta crônica transparente, aqui vai a dica: tu, porto-alegrense apreciador da vida e da beleza, do paraíso que muitas vezes fica ao lado e dos anjos que te observam com ar de justa censura, pense bastante ao entrar no carro. De que vale sermos uma cidade que se orgulha de si mesma se perdemos a civilidade dessa forma? É feio. Não pega bem.

E os anjos detestam.

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